quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O terreno fértil

Uma de minhas grandes frustrações é olhar as crianças pequenas de um, dois ou três anos de idade e saber que elas crescerão e tornar-se-ão pessoas adultas com os mesmos problemas, tensões emocionais e sofrimentos do que nós, adultos, que nos dizemos maduros. Ao mesmo tempo, vejo os adultos, os mesmos adultos que exploram e utilizam seus semelhantes para os seus interesses egoístas, e tenho a consciência de que um dia eles foram aquelas maravilhosas crianças pequenas que eu, realmente, amo.

Na minha visão já se tornou um clichê o dito de que o futuro do planeta são as crianças, os jovens, os adolescentes e que por isso temos que educá-los. Há anos que ouço essas palavras e isso soa um pouco como se a responsabilidade fosse jogada sobre essas pequenas pessoas. É claro que os educadores também estão incluídos nesta parcela de pessoas que receberam a responsabilidade “de presente”. Mas quem são esses educadores? Como sempre ouvi isso na escola, nunca fora dela, me parece que só os professores dessa instituição foram considerados como educadores, que é uma idéia que parece estar contida no “dito popular” a que me referi no início. Ao mesmo tempo, a impressão que tenho é que foram os próprios educadores que criaram esse pensamento e presentearam as crianças com essa responsabilidade, ao mesmo tempo em que, na prática, parecem participar de forma muito passiva na questão “futuro da raça humana e do planeta” e na questão educação.

              O que quero dizer é que na tentativa de educar, quem educa coloca-se de lado, ou melhor, coloca-se meio que fora da situação, como se fizesse o que considera sua parte e depois simplesmente vai embora deixando seus educandos ao relento, sem orientação para – e com a responsabilidade de – buscar a solução do mundo e o tal do “bem viver”. Assim, utiliza-se de chantagens para atingir o efeito desejado. Até mesmo se bate em crianças para adestrá-las. Louvo a educação que ao invés de impor as regras pelo medo das consequências da transgressão, as ensina pela coragem de reconhecer e assumir o erro, o que demora mais tempo para atingir o objetivo desejado, mas com certeza o atinge de forma mais pura e eficiente.

É preciso lembrar que a tarefa da educação de crianças é de todas as pessoas mais velhas, não apenas de professores escolares. E vejo que quando educamos, quando ensinamos, ensinamos o que acreditamos ser bom, ou seja, aquilo que é de nosso interesse, aquilo que construímos com a nossa experiência de vida ou herdamos cultural e socialmente, e nesse processo ajudamos na propagação de hábitos que a cultura e a sociedade perpetua por meio de um inconsciente coletivo e constantemente não reconhecemos e questionamos esses hábitos para verificar quais deles são e se são realmente bons ou não. É paradoxal, mas estou dizendo que constantemente não fazemos alguma coisa, ao invés de constantemente fazer. E é dessa forma que a educação que damos pode ser algo pelo menos um pouco egocêntrica.

Agora que já introduzi o assunto posso falar do que realmente quero, e para isso, preciso primeiro falar sobre sementes.

O que é uma semente? Uma semente eu vejo como algo mais abrangente do que aquilo que vai virar uma planta. É a essência, que é simples e diminuta, de algo infinitamente maior e mais complexo, e aqui recorro à biologia para explicar: uma semente dá origem a uma árvore muito maior e mais complexa do que ela própria, assim o é o zigoto em relação ao corpo humano. Da mesma forma, uma criança é uma semente de adulto. Devemos pois ser atentos ao ensinar, porque quando fazemos isso estamos plantando sementes na mente da criança, e para isso devemos repensar e questionar algumas coisas para termos subsídios para educar de uma forma mais eficiente.

Algumas coisas relativas à educação das crianças tem me chamado muito a atenção, e eu digo a respeito da família, porque é o contato primeiro da criança com o mundo, é a SEMENTE do convívio social mais complexo e amplo. E o que mais me chama a atenção é algo que para outras pessoas pode ser aparentemente bobo e insignificante. O ser humano é a única espécie que dorme sem ter sono e come sem ter fome. E é sobre comer que eu quero falar.

Quando a criança ainda é lactante, que horas a mãe a alimenta? Alguns segundos de reflexão... A resposta é fácil: quando a criança chora. Nesta fase, a criança quando tem fome chora para avisar a mãe, então bebe seu leite e quando se satisfaz ela simplesmente para.

E depois de desmamar? Quando passa essa época a criança precisa se adaptar ao horário dos adultos, e por isso, redundante e obviamente almoça na hora do almoço. Na verdade essa redundância pode significar que comemos não porque temos fome, mas porque é meio dia, e isso é criado culturalmente. Não que isso seja de todo uma coisa ruim, pois talvez seja bom criar esse hábito, afinal nosso sistema nervoso comanda um relógio biológico que regula entre outras coisas o horário do sono e da fome. Acredito que se ajustarmos esse relógio para facilitar nossa vida isso pode ser benéfico, assim teremos fome no momento que temos disponibilidade para preparar a comida e comê-la. Já os animais carnívoros sempre que tem fome tem também disponibilidade para caçar e para comer, então apenas caçam quando tem fome e só comem quando caçam, até porque sua comida anda, então não vale a pena ficar gastando energia para armazená-la, sendo que ela vai apodrecer. Penso, portanto, que a possibilidade de adaptar o horário da nossa fome seja uma vantagem da espécie humana, não precisamos mais viver no nomadismo e caçar, como era nos primórdios, pois já aprendemos a agricultura, diferente dos animais selvagens. Um tigre, por exemplo, pode comer até dezoito quilos de carne de uma vez e depois ficar dias sem comer, mas só come quando tem fome. Nós humanos não precisamos mais ficar dias sem comer pois já temos a agricultura, então nosso alimento sempre está disponível para quando a fome chegar, então ela pode chegar quando quisermos.

              O problema aqui é que a criança precisa se adaptar a comer no nosso horário quando está acostumada a comer no seu horário, então os adultos tiram suas cartas da manga, que para mim são o verdadeiro problema. Aí dizem para a criança: “olha que comida gostosa!”. Comer porque a comida é gostosa... Não seria essa a semente da gula? Do vício de comer quando não se tem fome? Vale a pena pensar.

              Então troca, essa chantagem ainda não deu certo, a criança é dura na queda e ainda não quer comer. Vamos então para “todo mundo está comendo! A mamãe está comendo, o papai está comendo, o passarinho está comendo!”  O gato, o cachorro, o irmão, a irmã, o tio, o avô, o personagem do desenho animado... Todo mundo entra na história. Mas comer porque todo mundo está comendo? Não seria essa a semente da inveja e do comportamento de fazer o que todos fazem simplesmente porque todo mundo faz e no fim das contas pensar que isso é normal só porque todo mundo está fazendo? Vale a pena pensar.

Aparentemente essa é uma questão insignificante, mas como eu havia dito no início, a criança é uma semente de adulto. Quando nasce ela chega em um mundo desconhecido do qual nada sabe. Nada sabe porque é ainda um ser com uma mente racional simples em relação à dos adultos. Então, uma frase simples do ponto de vista do adulto poderia ser implantada na mente infantil e ambas, a mente e a essência (o real significado) da frase, se desenvolvem com o tempo transformando-se em coisas mais complexas, assim como se dá com os traumas, com o sofrimento. O sentimento de perda, por exemplo, de um animal estimação, ou perda de um ente querido na infância pode se desenvolver e  transformar-se numa profunda depressão futuramente. Um sentimento de raiva reprimido em tenra idade pode se desenvolver até transformar-se numa psicopatia. Aliás, nunca ouvi falar numa criança esquizofrênica, ou psicopata, ou anoréxica, ou depressiva a ponto de cometer suicídio, ou assassinato, etc. Não que isso não aconteça, certamente acontece em casos extremos, mas geralmente se ouve falar desse tipo de coisa acontecendo na vida adulta ou, ao menos, na adolescência.

Sementes plantadas na infância crescem e florescem na mente com o passar dos anos, mente esta que também cresce e se torna uma mente mais poderosa, digamos assim. O mundo da criança é muito menor e mais simples do que o dos adultos, por isso, não devemos medi-lo pela nossa escala, mas sim pela escala da criança, que é muito menor.

Tudo bem, nada funcionou, ela quer assistir à televisão, então damos a comida enquanto ela assiste, ou enquanto brinca. Não há atenção no ato de comer, e no futuro a dificuldade de atenção e concentração será grande. Não haverá tanta atenção quanto poderia e deveria no exercício físico, no estudo, no trabalho, já que atenção é somente atenção, seja no que for, seja no comer ou qualquer uma destas atividades.

Já diz a famosa frase, budista se não estou enganado: “Não comemos enquanto comemos e não dormimos enquanto dormimos.” Quando comemos falamos ou pensamos sobre tudo, o sistema nervoso concentrado na digestão e a mente concentrada no que acontece durante o dia. Quando dormimos levamos nossas preocupações, sofrimentos, projetos, trabalhos e desejos para o travesseiro, sonhamos com isso tudo, e o inconsciente fica dando voltas e voltas em torno disso enquanto a mente e o corpo precisam de descanso.

O que eu posso apresentar como solução para isso tudo não é em termos de “o que fazer”, mas sim de “o que não fazer”. Não devemos ensinar com o ego, não devemos utilizar artifícios que poderão ser origem de outros problemas futuros de solução mais difícil. Precisamos questionar, precisamos encontrar o problema, fazer a pergunta certa para descobri-lo, procurar a resposta, devemos questionar os nossos costumes, a nossa cultura. Infelizmente o sofrimento na vida adulta é em parte por causa da experiência de quem veio primeiro e ensinou a sua interpretação das experiências.

O que apresentei aqui é como acredito que tais coisas são, mas minha fala não precisa ser tomada como verdade, nem posso dizer que é, ninguém também nunca me disse a respeito do que escrevi, é somente o que eu penso, é como eu vejo as coisas e eu estou compartilhando aqui no blog. Creio que antes de rejeitar uma idéia devemos entender o que ela quer dizer, e a  minha pode parecer absurda, mas acredito que valha a pena pensar...

Nota: O psicanalista Carl Gustav Jung é responsável pela teoria do inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo é a parte da psique humana constituída por tudo o que foi herdado da humanidade. Significa, então, que a humanidade mais atual sempre herda algo que fica gravado na sua mente inconsciente das gerações anteriores.

FYM

                                                                                        Jerônimo Martins Marana

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