Vejo
que muitas pessoas se questionam a respeito de liberdade, livre
arbítrio e destino. Já participei de muitas conversas a respeito,
mas acho que nenhuma delas foi muito longe, porque há muita
incerteza a respeito disso, então é difícil se chegar a qualquer
conclusão. Como eu gosto desse tipo de mistério, questionei isso a
fundo, chegando ao que vou apresentar agora.
Existe
crença e descrença no destino. É complicado pensar em destino
quando pensamos que tudo na vida já está predeterminado e não tem
como ser mudado. Assim fica difícil falar em livre arbítrio, ou que
temos alguma liberdade, pois se temos um destino fixo, não temos
nenhuma escolha. Vou tentar esclarecer tudo isto do meu ponto de
vista, segundo o qual destino, liberdade e escolha realmente existem
e exercem influência uns sobre os outros.
Segundo
Alexander Lowen, destino tem a ver com caráter, e para isso devemos
entender o que é caráter. È comum as pessoas falarem em “bom
caráter”, “mau caráter” ou sem “caráter”. Em seu livro
Medo da vida, Lowen descreve o caráter da seguinte maneira: (...) o
caráter determina o destino. Caráter se refere ao modo típico,
habitual, ou “característico” de ser e comportar-se de uma
pessoa. O caráter define um conjunto de respostas fixas, boas ou
más, que são independentes de processos mentais conscientes. Não
podemos modificar nosso caráter por meio da ação consciente. Não
está afeito às rédeas de nossa vontade. Em geral, não temos
consciência de nosso caráter porque ele se tornou nossa “segunda
natureza”.
O que
essa descrição de caráter nos quer dizer é que temos uma forma
padrão de responder às questões da vida que é inconsciente. É
como eu disse em a constante mutação e os hábitos,
estamos habituados a uma forma de ser e de encarar as coisas. Podemos
dizer então que o nosso caráter, ou melhor, os nossos padrões,
regem o nosso destino. Mas se podemos modificar o nosso caráter,
então podemos também mudar o nosso destino, mas a única forma de
se fazer isso é reconhecendo e aceitando os nossos padrões. É como
quando apontamos uma característica negativa de alguém para que ela
mude: ela só irá mudar se ela aceitar o que ela é, por exemplo,
enquanto uma pessoa não aceitar que ela é egoísta ela continuará
assim.
Mas se
temos um padrão inconsciente de resposta, então significa que nem
sempre temos liberdade de escolha, pois na verdade estamos submetidos
ao que a mente está habituada, escolhendo, na verdade, o que a mente
quer, e não o que nós queremos. Isso acontece por que no processo
de desenvolvimento da consciência aprendemos com nossos erros.
Aprendemos como agir de forma mais eficiente e também aprendemos a
nos defender, e a autodefesa é determinante nas nossas chamadas
“escolhas”. Nossos mecanismos psíquicos de defesa são formados
pelos traumas, decepções, angústias e mágoas que adquirimos ao
longo dos anos e que não fomos capazes de apagar. Assim adquirimos
medos, fruto da negatividade proveniente dos sentimentos de dor que
ficaram gravados na memória inconsciente.
Esses
medos inconscientes tem grande poder de influência sobre nossas
atitudes e modo de ser, pois como nos agarramos ao passado
traumático, aos nossos sofrimentos, passamos a nos defender deles
pelo resto da vida ou até que deixemos que eles se vão. Na verdade
nos defendemos da mente, pois os medos são apenas uma imagem, uma
ilusão que só existe dentro dela: é a mente defendendo-se contra
si mesma. Seja como for, erramos e nos decepcionamos muito durante a
vida, e por isso nos defendemos, pois sabemos que estamos sujeitos a
sofrer com tudo o que temos e fazemos, de modo que inconscientemente
acreditamos que a dor está para surgir a qualquer momento.
O
apego ao passado nos tira a atenção do momento presente, fazendo
com que acreditemos que o presente é doloroso como foi o passado, e
assim criamos a ideia de que só seremos felizes no futuro, um futuro
pelo qual sonhamos e esperamos mas que nunca chega, ou se chega não
percebemos. Como disse Eckhart Tolle no livro O Poder do Agora,
vivemos o presente com olhos do passado, ou seja, vivemos
traumatizados, e é aí que a mente cria defesas contra o momento
presente. Vou usar o casamento como exemplo, pois ele só dá certo
com uma pessoa, e até que se encontre essa pessoa, muitos
relacionamentos dão errado. Desse jeito a mente se habitua
facilmente ao erro, e de acordo com o exemplo entramos em cada novo
relacionamento com as defesas erguidas por medo de dar errado
novamente, pois tendemos a pensar que haverá o mesmo sofrimento que
houve nos relacionamentos anteriores.
Na
vida nos deparamos inúmeras vezes com situações de incerteza em
que temos que fazer escolhas, optar pelo que achamos que é certo e
melhor a ser feito. Como estas situações nos pressionam, e como a
mente também nos pressiona com o seu medo do erro, frequentemente
optamos por aquilo ao que a mente está habituada: o erro. A mente
nos controla através do medo que nela está impregnado, então não
somos nós quem escolhe, e sim a mente, que dotada apenas de
raciocínio lógico e desprovida da intuição, só sabe comparar as
coisas com base na memória, e quando desconectada da fonte dessa
intuição e da sabedoria que permitem o correto discernimento, age
de forma inconsciente e mecânica. O inconsciente age mecanicamente
porque é sua natureza, ele é programado para isso, e ele não
discrimina o certo do errado, apenas reage às coisas
independentemente disso, pois ele é programado para isso.
Então
não fazemos escolhas. Como então mudar o destino? Vamos falar agora
de livre arbítrio e liberdade. Entendo o livre arbítrio como algo
diferente de liberdade. Sabemos que temos o livre arbítrio para
vivermos como bem entendermos, mas isso significa que tenhamos
liberdade? Não. Um criminoso na cadeia tem livre arbítrio, mas está
desprovido de sua liberdade. Livre arbítrio, para mim, significa que
estamos livres para escolher como vamos viver e liberdade significa
estar livre de qualquer tipo de aprisionamento, inclusive mental.
Neste sentido, estamos desprovidos de liberdade, pois não estamos
livres da nossa consciência. E do mesmo modo, no nível de
consciência comum estamos presos pela mente, sendo submetidos às
suas escolhas, o que nos torna escravos de nossos padrões.
Portanto,
liberdade para mim é estar livre da necessidade de fazer escolhas,
mas isso só é possível atingindo um nível de consciência onde a
escolha é realmente consciente. Um nível de consciência em que
simplesmente percebemos o que é certo, o que é melhor a ser feito,
em uma determinada situação sem que haja interferência da
racionalidade da mente, mas por meio da intuição. Mas se
soubéssemos o que é certo, o que é o melhor a se fazer,
precisaríamos optar? Eu acredito que não haveria opção,
simplesmente faríamos o que devesse ser feito, pois não haveria
dúvidas. É onde estaríamos livres da escolha. Mas para se chegar a
este ponto precisamos nos livrar das barreiras mentais que nos forçam
a escolher o erro, ou seja, devemos nos desapegar do passado. Assim,
não deve haver erro no que disse minha mestra: liberdade é se
desvencilhar do apego.
FYM
Jerônimo
Martins Marana
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