domingo, 9 de janeiro de 2011

Natureza da mente - o computador que vive

Para o domínio da mente é necessário o conhecimento de sua natureza. Por esse motivo gostaria de explicar, através de um exemplo, o que aprendi sobre a mente estudando espiritualidade, principalmente pelas filosofias budista e taoísta, presentes no kung fu.

          O funcionamento da mente é semelhante ao de um computador

A natureza da mente é agitação. Ela se mantém ocupada por todo o tempo com pensamentos, como problemas para serem resolvidos, sofrimentos, preocupações, trabalho, felicidade... Mas principalmente planejando, almejando e esperando por um futuro melhor e relembrando e remoendo o passado. Tudo, menos o momento presente. Isso acontece por causa da memória, seja ela consciente ou inconsciente, que temos da nossa história de vida.

O nosso computador também possui uma memória e quando ela está saturada com programas, arquivos e documentos, ele não funciona direito, ele fica lento, trava, tem que ser reiniciado. Da mesma forma, quando estamos saturados de preocupações e coisas para pensar não funcionamos direito, porque ficamos sem energia.

Então o que fazemos com o computador? Resolvemos vasculhar as pastas para eliminar alguns arquivos desnecessários, de forma que possamos ter algum espaço livre para preservar um pouco mais o aparelho, para fazê-lo funcionar melhor. Então apagamos algumas fotos antigas que não vemos, músicas que não ouvimos mais, alguns documentos e desinstalamos alguns programas que há muito não utilizamos mais. Mas é claro que ainda mantemos algumas coisas desnecessárias, porque acreditamos que são importantes e que um dia ainda vamos utilizar. Além disso, pelo menos um pouco do espaço vazio que criamos logo é preenchido com novos downloads e fotos, então pensamos “ainda bem que apagamos tudo aquilo, porque senão não haveria espaço para essas coisas importantes”, então no começo o computador parece mais rápido porque eliminamos alguns bites de memória, mas logo percebemos que ele trabalha lento de novo, porque preenchemos o espaço vazio novamente e porque não eliminamos uma quantidade suficiente de arquivos para um melhor funcionamento. Acontece isso não é verdade?

Falando da mente, isso seria o mesmo que a nossa memória consciente. Às vezes apagamos algumas coisas da nossa memória porque são experiências que não consideramos, melhor dizendo, não identificamos como sendo relevantes para a nossa vida, enquanto outras vezes apenas “substituímos arquivos”. Tenho alguns exemplos práticos disso. Imagine um sujeito, cujo sonho era ser músico, mas que se formou em medicina pelo prestígio da profissão e pelo salário. Pela convivência com pessoas que tentam ganhar a vida como músicos, inclusive pessoas na minha família, eu sei mais ou menos o quanto ser músico é difícil. Então aquele sonho de ser músico é apagado pela inconveniência, pela suposta impossibilidade de realização, já que é uma vida difícil e arriscada. Em outras palavras, o sonho “vai para a lixeira, ou fica em alguma pasta escondida que ele nem se lembra mais onde se localiza”. Ao mesmo tempo o médico acha que está feliz, mas cedo ou tarde vem o sofrimento e a infelicidade na profissão porque começam inúmeros plantões no hospital, ele tem que lidar com o sofrimento dos pacientes e de suas famílias, dar notícias de óbitos... Talvez o médico perceba que ele teve um sonho frustrado e que está exercendo uma profissão que não ama, talvez não. Pode ser que ele fique sofrendo com a profissão sem entender o porquê. Outro exemplo é quando se perde uma namorada(o) e tão rápido quanto possível se arruma outra, pois estando sentindo falta de alguém, qualquer alguém que passar é fácil de agarrar, e então o garoto acha que não sente mais o que sentia pela antiga namorada, ou ignora o que sente. Ignorar o sentimento se torna igual a quando enviamos um documento para a lixeira e o deixamos lá ocupando espaço sem excluí-lo do computador, ou deixamos em uma pasta esquecida.

Então, resumindo, alguns arquivos – que no caso da mente vou chamar de memórias – são enviados para a lixeira e ficam lá por um bom tempo enquanto outros ficam escondidos em pastas que você já nem se lembra mais que existem. Existem programas e arquivos no computador que nunca foram utilizados e muitos outros que você nem mesmo sabia que existiam. Alguns são essenciais para o funcionamento do computador, ao passo que outros você realmente poderia excluir, mas nem mesmo sabe disso, e são esses programas “escondidos” que mais ocupam a memória do aparelho. Isso para mim equivale à mente inconsciente, que guarda traumas, sofrimentos e memórias que você conscientemente não se lembra, portanto não sabe que existem em algum lugar e por isso continua carregando-os pela vida, e é justamente essa memória inconsciente que mais nos afeta, pois é ela a criadora da nossa personalidade, do sentido de individualidade e, consequentemente, do sofrimento, e até mesmo a criação de parte da nossa mente consciente tem a ver com nossa mente inconsciente, mas isso é assunto para outro texto. O difícil é vasculhar essas “pastas” e descobrir todo esse monte de tranqueira, que é o que ocupa a maior parte da memória da sua mente.

O computador que você acabou de tirar da loja e instalar na mesa do seu escritório, da sua sala ou do seu quarto se parece um pouco com uma criança recém nascida, pois ela não possui nenhuma memória dessa encarnação já que acabou de chegar ao mundo, mas possui memórias inconscientes pré-natais que são transmitidas pela mãe (não nos esqueçamos que no pré-natal a criança e a mãe são um corpo só, portanto o que a mãe sente a criança sente) e memórias de vidas anteriores e do mundo espiritual, até que a idade de sete anos provavelmente apague essas memórias (o espiritismo explica bem isso). Alguns grupos de técnicas como  hipnose, constelação familiar, bioenergética e meditação, por exemplo, podem acessar a mente inconsciente e apagar essas memórias.

Aliás, um dos objetivos da meditação é esse, tornar o nosso computador, a nossa mente, mais vazia e assim tornar mais eficaz o funcionamento tanto da mente quanto do indivíduo por completo. Como isso é feito? Livrando-nos do pensamento quando ele é desnecessário ou prejudicial. Na verdade, não precisamos pensar o tempo todo. Observe os seus pensamentos durante o dia e repare que a maioria deles não tem utilidade. Nossos pensamentos diários são constituídos talvez de 80% a 90%, se não for mais (tente fazer a conta e você se perderá), de memórias do passado, projeções de um futuro melhor (que nunca chega ou nunca acontece do jeito que você quer) e de lamentações ou julgamentos do presente baseados em experiências passadas. Faça o teste e veja como isso acontece.

Aceitar o momento presente e usufruir o que ele nos oferece são pensamentos que não ocorrem com frequência, e se você acha que ocorrem tome cuidado, pois eles parecem que ocorrem porque nós não sabemos quantas oportunidades de aprendizado, de paz, de felicidade nós perdemos, até mesmo em situações que chamamos de problemas. Certa vez eu estava pensando em problemas enquanto andava de carro e notei que naquele momento não havia nenhuma situação à qual eu precisasse pensar, nem mesmo algo a que eu precisasse reagir, havia apenas carros, árvores, casas e outros objetos e seres passando, então tive a experiência de perceber que o pensamento (e, consequentemente, qualquer memória) era absolutamente desnecessário. Falando francamente, em uma situação dessas, em que você não precisa fazer nenhuma análise do que está acontecendo ou não precisa transmitir alguma mensagem, qual é a necessidade de pensar? Definitivamente, o pensamento poderia simplesmente parar, e então sobraria um tipo de vácuo na mente, e simplesmente eu desfrutaria o momento presente, sem julgar nada, ficando em um estado de contemplação e absorção no momento presente. Esse estado tem muitos nomes, contemplação e absorção são dois deles. Esse é o estado que chamamos pela palavra japonesa “zen”, que deriva do chinês ch’an, que deriva do sânscrito dhyana, que em pali é jhana e em tibetano samten ou bsam gtan. Todas essas palavras vem do budismo e existem outras denominações para este estado em diversos idiomas, todas elas provindas das mais diversas culturas e tradições religiosas, mas todas dizendo respeito à mesma coisa.

Bem... O conhecimento intelectual disso tudo é até que um ganho considerável, mas a parte prática, a experiência real, esta sim é muito difícil. Mas de qualquer forma eu pergunto: quem é que não gostaria de tirar umas férias de pensar?

FYM

                                                                           Jerônimo Martins Marana