sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Um dia desses eu vi dois urubus

Um dia desses, eu vi dois urubus e isso me fez pensar, me fez compreender uma coisa simples através de um fato também muito simples.
Eu nunca havia visto um urubu que não estivesse nos ares, portanto sempre o vi de longe. Urubus a gente vê por todo lugar, mas dificilmente de perto, então muitas pessoas nem conhecem a aparência dessa ave. Eu era uma dessas pessoas até que, num sábado de manhã, dois urubus enormes pousaram em uma árvore acima de mim. Fiquei maravilhado com aquela visão, com o tamanho das aves, com a cor escura de sua plumagem. Sempre fiquei impressionado com a elegância do seu vôo, com a beleza e imponência de suas asas abertas, mas fiquei espantado ao ver dois deles parados e a uma distância de uns dez metros de altura apenas.

Foi aí que pensei em como somos cegos, pois os vemos em todos os lugares, portanto são pássaros que estão muito próximos de nós, mas apesar da distância curta que nos separa nunca olhamos para eles. Temos uma imagem preconceituosa de um animal feio e nojento, só pelo fato de que ele come carniça, portanto nunca damos atenção.

O que achei mais impressionante é o fato de que as araras e os tucanos correm o risco de serem extintos e não existem em qualquer lugar e, mesmo assim muitíssimas pessoas do mundo todo já viram suas imagens e vídeos em documentários, livros e matérias de revistas e jornais, mas os urubus, tão próximos de nós, nunca conhecemos. Isso me mostrou de uma forma prática como os seres humanos dão um imenso valor a alguma coisa que consideram exótica e vivem suas vidas em função disso, enquanto que a beleza e a simplicidade que lhe é próxima é ignorada e vista de forma preconceituosa.

Como disse Jesus Cristo “a pedra que os construtores deixaram de lado, tornou-se a pedra mais importante” (Mc 12, 10), o que significa que as coisas que nos tornam felizes são aquelas que ignoramos, e estas coisas que ignoramos são as que estão “na nossa cara” ou “em baixo do nosso nariz”, como se diz popularmente. São justamente as coisas que já temos e as coisas simples da vida, mas infelizmente vivemos em busca de “araras” e “tucanos”, que são sensações fortes, emoções, novas experiências, novas pessoas, novos produtos, etc., coisas consideradas exóticas mas que um dia acabam.

É por isso que as araras e os tucanos estão desaparecendo. Deram-lhes um imenso valor e tantas pessoas os caçaram que agora eles estão quase sumindo.

Por isso felizes são os urubus que tem a sua beleza oculta aos olhos da multidão. Talvez se as pessoas aprendessem a olhá-los as araras e os tucanos seriam mais abundantes.

“Em primeiro lugar busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas.” (Mt 6, 33)

FYM

                                                                               Jerônimo Martins Marana

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Saindo da zona de conforto

Comodismo é uma das coisas que melhor pode explicar a estagnação ou, no mínimo, lentidão do progresso da consciência humana. Em outras palavras, comodismo quer dizer que temos preguiça, medo, relutância em evoluir.

A preguiça inclusa no comodismo é resultado do apego aos nossos hábitos de pensamento, de fala e de ação. Como dizia Nietzsche, o ser humano é o único animal que tem preguiça. Segundo ele (não que isso seja inteiramente verdade, mas também não que não seja) é a preguiça que nos torna diferente dos outros animais. Durante nossas vidas, conquistamos alguns objetivos, aprendemos determinadas coisas, atingimos conhecimentos que nos satisfazem, que nos agradam. Não que essas conquistas de fato não sejam boas. Mas elas criam uma espécie de armadilha que nos impede de ir além. Apoiando-se nessas conquistas somos impelidos a acreditar que já é o suficiente, que não precisamos buscar mais. A satisfação, o apego por aquilo que conquistamos causará um bloqueio, que pode ser comparado à preguiça de ir à frente, de evoluir, então temos preguiça de mudar a maneira de pensar, de agir e de falar. E não ajustamos nossa fala e ação justamente porque temos preguiça de mudar a mentalidade, tão necessária para qualquer alteração. Assim, através de nossa própria satisfação criamos um inimigo para nossa evolução.

Comodismo não é só preguiça, também é medo. O medo do novo, o medo do desconhecido. A zona de conforto que estabelecemos também é uma zona de segurança. Nessa zona tudo o que conhecemos é seguro porque já sabemos mais ou menos os efeitos, as conseqüências. Apegamos-nos àquilo que já conhecemos e assim tomamos aquilo como certo, pois com essas ferramentas que já possuímos atingimos algum resultado, mesmo que não seja exatamente o desejado, mesmo que seja apenas uma aproximação daquilo que realmente almejamos. Através do que já sabemos é claro que conseguimos algumas coisas que queremos, mas assim às vezes custa muito esforço, gasto desnecessário de energia, insatisfação e sofrimento. Porém, só com o que sabemos nem sempre somos capazes de realizar tudo e muitas coisas parecem inexplicáveis. Tudo isso porque temos medo de ir além e descobrir, por fim, uma maneira mais eficiente de realizar nossas aspirações.

Por isso, ao sairmos da zona de conforto, também estamos deixando a linha que delimita aquilo que nos é conhecido e partimos para um novo mundo, onde tudo é possível, tanto o acerto como o erro. A maioria das pessoas teme esse novo mundo, mas é exatamente esse mundo que nos acrescenta, nos ensina, oferece as ferramentas para a nossa evolução.

A terceira das características que citamos do comodismo é a relutância. Quando estamos muito apegados às velhas, ou até mesmo às maneiras atuais de fazer as coisas, nos tornamos relutantes em fazer diferente, mesmo sabendo da possibilidade de obter maior êxito. Adoramos fazer tudo do velho jeitinho e por medo de um resultado desconhecido e por preguiça de se mover temos relutância em fazer de outra maneira.

Estamos no final de dezembro, portanto próximos do ano novo, que finaliza mais um ciclo, mais uma volta em torno do Astro Rei, e como de costume e tradição no mundo todo, está chegando o momento de renovação e de reflexão que respeitosamente chamamos de virada do ano. Existe uma aura que ronda esse dia, uma espécie de mágica que transcende todos os outros dias (como se eles não fossem tão importantes como esse). É o dia não só de reflexão e renovação, mas também de inúmeras promessas que não serão cumpridas e que serão esquecidas logo no dia 2. Essa é a importância que damos para o primeiro dia de todos os anos. Inúmeras promessas de regimes, matrículas em academias, escolas de idiomas, parar de fumar, de beber e outras promessas sem número são deixadas sempre para a segunda feira seguinte, até que na última segunda feira do ano não se tem indício de algum cumprimento. São promessas vazias, porque para aquele que promete não tem realmente um sentido, é só da boca para fora. Nesse momento gostaríamos de informar que do dia 31 de dezembro para 1 de janeiro não é muito diferente de qualquer outro dia do ano, primeiro vem 23h59 e depois vem meia noite, portanto qualquer outro dia também é dia de mudança.

É claro que temos um ritmo, um ciclo criado socialmente, pois temos inúmeras preocupações, trabalho, deveres ao longo do ano e a quebra dessa rotina que chega com o final do ano, abre, para a maioria das pessoas, uma possibilidade de reflexão e de projeções. Para esse tipo de atitude, portanto, as férias e essa quebra acabam se tornando convenientes no atual sistema em que está inserida a sociedade.  

É nesse contexto de mudanças, tão presente na tradição de passagem de ano e na idéia que ela carrega que decidimos escrever sobre o comodismo.  Então como triunfar sobre o comodismo? O que fazer então para sair da zona de conforto? Acreditamos que esforço e disciplina são, ao menos, algumas das palavras chave necessárias para nos livrarmos do apego que torna cômodo nosso pensar, agir e falar. Dessa forma, acreditamos que devemos usar as conquistas como degraus para o próximo objetivo e não nos contentarmos nem apegarmos a elas. E sobre as aspirações, acreditamos também que devemos situá-las em um patamar onde sejamos capazes de chegar, assim não nos tornamos apenas faladores e nos aproximamos mais de cumprir o que nos propusemos a fazer.

Na verdade é disso que se trata a idéia do blog, de nos livrar das amarras que atravancam nossa evolução e buscar meios de nos tornarmos Ilimitados. Apoiando-se nesse pensamento nós aproveitamos para desejar a todos um bom final de ano e que possamos nos tornar mais conscientes não só a cada novo ano, mas a cada novo dia.

FYM

                                                                                                                    O Ilimitado

sábado, 4 de dezembro de 2010

A proibição do sentir

Ao meu redor existe uma enorme quantidade de pessoas fortes, pessoas de espíritos fortes. São pessoas que não sofrem, não choram, não sentem dor. Na verdade não são espíritos fortes, mas sim enrijecidos, tão enrijecidos que seus sentimentos estão quase totalmente bloqueados. Os corações dessas pessoas são frios e duros como pedras.

Observo isso quando vejo o sofrimento de alguém e uma dessas pessoas duras não permite a expressão dos seus sentimentos. Quando as pessoas se encontram em situações de profundo sofrimento, o que lhes é cobrado é que parem de chorar, que não expressem os seus sentimentos. Tornou-se antiquado chorar, é proibido. Adultos não choram, homens não choram, e até as crianças são obrigadas a “engolir” o seu choro (não é isso que os pais muitas vezes fazem com as crianças? Não mandam elas pararem de chorar?). Se soubessem o mal que faz à saúde não expressar os sentimentos... É preciso ter uma visão holística do ser humano (e do universo, é claro). Wilhelm Reich, um dos mais brilhantes alunos de Sigmund Freud, descobriu o que ele chamou de couraça muscular. Couraças musculares são contrações crônicas na musculatura que são mantidas inconscientemente  para reprimir sentimentos impedidos de serem expressos, para mantê-los sob controle, e isso causa dores, alterações no padrão respiratório e outros desnecessários problemas de saúde, fora o gasto de energia necessário para mantê-las.

O que me parece é que o ego das pessoas tem medo da derrota, da perda, da queda, então as pessoas procuram se mostrar fortes, inabaláveis, não podem dar o mínimo indício de fraqueza, e isso as torna quase completamente insensíveis. Eu gostaria que alguém me explicasse qual é realmente o problema em chorar. Infelizmente essa sociedade egoísta nos cobra de “ficarmos em pé” o tempo todo, não se pode cair e permanecer no chão por um tempo para rever as coisas, para analisar a situação e os sentimentos, se recompor emocionalmente e, enfim, retomar o controle de nossas vidas. Qualquer sentimento deve ser deixado de lado, porque o trabalho é mais importante, porque qualquer finalidade egoísta é mais importante, e para fugir dos sentimentos qualquer coisa é permitida, álcool, cigarro, drogas, festas, sexo, beijo, esportes, carros, consumo, dinheiro, jogos, brincadeiras, dança, piada, comida, filmes, videogames, qualquer coisa que permita matar afogado o sentimento, que permita o esquecimento e fuga do mesmo, qualquer coisa que desvie sua atenção do que está ali, mas sentir é proibido. Não que todas essas coisas citadas sejam ruins em si mesmas, algumas vezes até são, mas inúmeras vezes até coisas simples, bons hábitos e outras coisas que gostamos são utilizadas no sentido de fuga, o que não é positivo, então até isso às vezes é um perigo. Até a religião pode ser utilizada como fuga. Mas não se deve buscar Deus para fugir, deve-se buscar Deus para enfrentar. Até dormir é uma fuga.

Vou dar um exemplo simples. Estou escrevendo este texto. Posso usá-lo para me vangloriar, para me sentir grande, superior, ou até mesmo sábio, tudo isso para me sentir bem, para fugir de algo, para encobrir uma angústia, enfim, para confortar o ego. É uma possibilidade, mas sei que ao terminar de escrever não devo ficar preso ao que escrevi, me desapego e vou fazer outra coisa.

Esse “afogamento” acontece mesmo que as emoções, sentimentos e suas expressões sejam processos fisiológicos, além de psicológicos, onde entra em ação uma área do cérebro chamada sistema límbico, um complexo de estruturas associadas incluindo o hipotálamo, que atua não só nas emoções, mas regula a atividade dos órgãos, sono e fome, entre muitas outras coisas, e é por isso que se tem muita ou pouca fome, ou sono, por exemplo, quando se está emocionalmente abalado, e também por isso que sentimos uma sensação de mal estar nos nossos órgãos. Isso quer dizer que impedir durante toda uma vida sentimentos de serem expressos é o mesmo que impedir a excreção, que igualmente é um processo fisiológico. Imagine o que aconteceria se fosse possível impedir a excreção durante toda uma vida o que aconteceria. E é também por isso que as drogas e o álcool potencializam seja lá o que for que você esteja sentindo, pois eles atuam justamente no hipotálamo.

Além da proibição do sentir, quando se transgride essa regra a pessoa acaba não sabendo como sentir. Não se sabe como dar vazão aos sentimentos, nem mesmo se tem controle sobre isso. Muito sofrimento acumulado no inconsciente acaba sendo colocado para fora por causa de uma situação que nada tem a ver com a situação que o criou. Logo, quando você sente raiva de alguma coisa ou de alguém por um motivo qualquer você acaba tentando, inconscientemente, descarregar toda a sua raiva que foi reprimida durante anos, e aí acaba causando algum tipo de dano a outras pessoas ou a alguma coisa.

Mas ter controle sobre os próprios sentimentos e saber como expressá-los de forma não prejudicial é quase um superpoder, uma realização sobrehumana, portanto, o ego não quer que a outra pessoa expresse os seus sentimentos, pois ele não pode ver que o outro consegue o que ele não consegue, sabe o que ele não sabe, e me parece ser por isso que uma pessoa não permite que a outra expresse os seus sentimentos, pois ela mesma teve que reprimir os seus e por isso não sabe como expressá-los, portanto não quer que outra pessoa o faça ou saiba como fazer.

Eu gostaria de saber o que é que pensam os insensíveis quando vão dormir, pois muitas vezes o travesseiro é o nosso capataz, já que a hora que deitamos nossa cabeça nele, sem nenhuma atividade que possa nos distrair, os sentimentos, as angústias e preocupações vem visitar o nosso pensamento.

O iluminado mestre espiritual Eckhart Tolle, em seu livro O Poder do Agora fala em um trecho sobre algo que ele aprendeu com os patos. Quando um pato invade o espaço do outro os dois fazem uma barulheira e batem as suas asas freneticamente para descarregar a energia acumulada com a raiva, sem a necessidade de um confronto físico, depois cada um vai para o seu canto e fica tranqüilo, como se nunca nada tivesse ocorrido.

Portanto, seja lá o que for que você estiver sentindo, você deve sentir no momento que ocorre, tente viver o momento presente, porque é aí onde a vida acontece, nada acontece fora do momento presente. Quando o passado ocorreu ele era presente, e quando o futuro chegar ele também o será. Tente entender que passado e futuro não existem fora da mente. Se no seu presente você sofre, viva o sofrimento, deixe que ele aconteça e apenas observe. Não negue o sentimento, pois ele sempre tentará conseguir a sua atenção, portanto dê atenção a ele no momento em que ele surge para que ele não te perturbe, pois se não fizer isso será mais difícil liberá-lo mais tarde, e ele continuará tentando conseguir sua atenção durante anos. Observe, também, que quando incorre um sentimento negativo muito forte pode surgir o desejo de não se  pensar em nada. E não pensar em nada é meditação. Parar o pensamento é possível e necessita prática diária. Pratique a meditação diligentemente, mas não faça sozinho, procure um bom mestre para orientá-lo.

E pense melhor quando quiser impedir o choro, o medo ou a raiva de alguém.

FYM

                                                                                              Jerônimo Martins Marana