segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Descubra o herói interior

Há alguns feitos que os homens de hoje em dia consideram como sendo heroicos e dignos de grande honra. Muitos deles, a meu ver, não passam de adornos para a autoimagem, para o ego. Marca-me muito uma cena que ocorreu em algum dos jogos olímpicos, se não me engano os de Atlanta, em 1996, a qual nos será muito útil no entendimento desta postagem. 

É uma cena muito famosa, que inspira a superação dos nossos limites físicos e mentais. Trata-se de uma corrida, uma maratona, em que uma atleta lutou para terminar a prova, quase sem forças, andando em linhas tortas, e ao cruzar a linha de chegada despencou no chão, dando fim à sua luta após atingir o seu objetivo: concluir a prova. A multidão de espectadores no estádio ficou emocionada e muitas pessoas ficam, até hoje, quando veem este exemplo de superação, de que o ser humano pode fazer aquilo que quer se tiver determinação para isso. Aquela mulher foi, daquele dia em diante, considerada uma heroína, e sua prova a tornou muito famosa.

Uma coisa dessas aumenta a autoestima, autoconfiança, autoimagem, etc. O indivíduo se sente bem por poder dizer “eu consegui". Mas será isso o heroísmo? Peço desculpas àqueles que gostam deste tipo de dramatização da vida real, típica de filmes de Hollywood, que acontece nos esportes. Quando a mídia faz este tipo de dramatização me parece com aqueles filmes em que o herói salva todo o mundo ou vence a sua batalha quando tudo parece estar perdido, como em Independence Day, em que os soldados conseguem com sua estratégia, união de todos os habitantes da Terra em prol do bem comum (coisas que precisamos hoje, mas que só se consegue em Hollywood, ou se um de seus diretores se tornar presidente do mundo) e um ataque suicida vencer os extraterrestres, muito mais poderosos e inteligentes do que nós. Ou então com aqueles filmes do Van Damme, em que ele vence a luta quando quase já não consegue mais lutar e parece que vai ser esmagado pelo seu adversário.

Fico observando o modo pelo qual as pessoas acham que em suas vidas encontrarão o momento de triunfo e o final feliz, semelhante ao que acontece nos filmes e novelas, ou no esporte. As pessoas ficam iludidas, achando que é possível acontecer em suas vidas o que acontece nos filmes. Quando estiver triste, imaginando e desejando um futuro melhor do que o presente veja quantas imagens tipicamente hollywoodianas passam pela sua mente.

Mas voltando ao caso da atleta olímpica, me desculpem aqueles que se comovem com aquela cena ou com outras semelhantes, mas neste texto eu quero desconstruir esta imagem de heroísmo para dar lugar à outra. Na minha visão, superar os seus limites, em grande parte dos casos senão na maioria deles, é apenas uma forma de gratificação do ego. O ego cria limites que não existem e depois se regozija com o feito de superá-los. Os esportes são em geral assim, não inerentemente, mas é o sentido que a maioria das pessoas, a sociedade em geral lhes confere, já que a indústria do esporte induz a isso. Claro que não são assim necessariamente, mas de uma forma geral os exercícios físicos são em grande parte exercícios que doem o corpo e fortificam o ego. Prefiro os exercícios físicos que doem o ego e fortificam o corpo, e acredito que é isto que os seres humanos precisam, em minha opinião.

Mas meu objetivo aqui não é falar de esporte, mas uso o esporte como apenas como uma ponte para o que quero realmente dizer. O meu conceito de heroísmo é outro. Herói para mim é aquele que tem a humildade, sinceridade e coragem de aceitar onde é o seu limite, que é audacioso o suficiente para se render e dizer "para mim acaba aqui, não posso mais do que isso e estou bem assim, fiz o que eu pude, eu desisto". Muitas vezes nos martirizamos por não conseguirmos dar a volta por cima, por não ir um pouco além das nossas capacidades. Mas não é lindo assumir as suas fraquezas, se é que se pode assim dizer, e simplesmente desistir quando não dá mais? Para que ir além quando não há mais forças para lutar? Dando um exemplo bobo, se os copos fossem assim eles se quebrariam pela dor de não conseguir armazenar mais água do que sua capacidade lhes permite.

O que tem de errado em desistir? Claro, devemos sim lutar até o fim, sem desistir sem mais nem menos, mas quando não dá mais simplesmente paramos. Fizemos o nosso melhor e no dia seguinte tentaremos de novo e, talvez nesse dia nossas fronteiras tenham se estendido para mais adiante, tornando-nos menos limitados.

Penso muito em coragem e medo. Conheço pouquíssimas pessoas que possuem a coragem que quando eu era criança me diziam que existia. Coragem de falar a verdade, de amar de verdade, de lutar contra os seus defeitos e sua negatividade e de conquistar a vida. Conquistar a vida no sentido de que neste mundo inerte parece que estamos mais mortos do que vivos. Nossos sonhos estão morrendo, nossas forças estão se esgotando, parece que só existem resquícios do amor. Aliás, a impressão que eu tenho é que a maioria das pessoas tem medo dos justos, sinceros e verdadeiros. Chega a ser cômico, as pessoas preferem confiar nos que mentem do que nos que falam a verdade. Tem medo das pessoas que lutam contra si mesmas na tentativa de eliminar aquilo que as faz infeliz (falo em hábitos e comportamentos). Veem-nas como monstros ou como ameaças quando tentam quebrar um paradigma da sociedade, quando apontam um erro nas coisas que para todos parecem certas, quando denunciam anormalidade naquilo que para todos é  considerado normal.

Igualmente ameaçador é o perdão. As pessoas não confiam muito em quem realmente perdoa e parecem ser receosas de perdoar. Muitos pensam que se perdoarem se tornarão palhaços, marionetes dos outros, que serão feitos de idiotas. Preferem a companhia das pessoas vingativas e rancorosas do que as pessoas que não reagem violentamente aos ataques dos outros. Mas por esta ótica, então, o perdão é ameaçador e as pessoas rancorosas e vingativas são inofensivas enquanto as que perdoam são perigosas, sendo assim, o perdão é a melhor arma contra os nossos inimigos e contra as ameaças que recebemos.

Esse tipo de herói busca o que todo mundo quer de "mão beijada", luta por aquilo que os outros querem conquistar sem batalhar. Mas quando demonstram a coragem requerida para tal, aqueles ao seu redor, inconsciente ou talvez até conscientemente, constituem uma barreira para impedi-los daquilo que eles querem. Um exemplo que sempre penso pode explicar esta idéia: imagine um muro alto em torno do Jardim do Éden. Milhões de pessoas estão ao seu redor e sabem que do outro lado do muro a vida é melhor e eles serão realmente felizes e viverão em paz, porém o muro é muito alto e dificílimo de ser escalado. Todos querem escala-lo e saltar do outro lado, mas ao invés de fazerem isso, esses milhões de pessoas puxam pelos pés aquelas poucas centenas de corajosos que se propõem a fazê-lo, e apenas alguns conseguem continuar a subida enquanto outros cedem às insistências dos inertes.

Infelizmente o heroísmo que eu gostaria de ver é visto como ameaçador pela maioria das pessoas. Acredito que muitas delas tenham medo de sofrer mais ainda do que já sofrem caso se arrisquem a entrar numa busca sincera por aquilo que querem. Acho que as pessoas tem medo de ficarem loucas com a decepção de não conseguirem de imediato o que almejam e assim acabarem vivendo uma vida frustrada, acreditando que aquilo que eles sonham não passa de uma fantasia, que é possível de ser alcançado. Isto nada mais é do que o comodismo de outro post.

Mas eu pergunto agora: não vale a pena lutar assim? Por que não tentar descobrir o seu herói interior?

Finalizando, digo que este tema me lembra muito a música "O vencedor", dos Los Hermanos, que irei comentar num outro post.

FYM

Jerônimo Martins Marana

Buda e o tapa

Como prometido no post "A constante mutação e os hábitos", aqui está a história sobre o dia em que Buda inesperadamente levou um tapa na cara de um homem desconhecido.
Conhecemos esta história através do blog Saindo da Matrix e ela foi retirada do livro "Intimidade - como confiar em si mesmo e nos outros" de Osho. Boa leitura e boa reflexão!

O Ilimitado

Buda estava sentado embaixo de uma árvore falando aos seus discípulos. Um homem se aproximou e deu-lhe um tapa no rosto.
Buda esfregou o local e perguntou ao homem:
- E agora? O que vai querer dizer?
O homem ficou um tanto confuso, porque ele próprio não esperava que, depois de dar um tapa no rosto de alguém, essa pessoa perguntasse: "E agora?" Ele não passara por essa experiência antes. Ele insultava as pessoas e elas ficavam com raiva e reagiam. Ou, se fossem covardes, sorriam, tentando suborná-lo. Mas Buda não era num uma coisa nem outra; ele não ficara com raiva nem ofendido, nem tampouco fora covarde. Apenas fora sincero e perguntara: "E agora?" Não houve reação da sua parte.
Os discípulos de Buda ficaram com raiva, reagiram. O discípulo mais próximo, Ananda, disse:
- Isso foi demais: não podemos tolerar. Buda, guarde os seus ensinamentos para o senhor e nós vamos mostrar a este homem que ele não pode fazer o que fez. Ele tem de ser punido por isso. Ou então todo mundo vai começar a fazer dessas coisas.
- Fique quieto – interveio Buda – Ele não me ofendeu, mas você está me ofendendo. Ele é novo, um estranho. E pode ter ouvido alguma coisa sobre mim de alguém, pode ter formado uma idéia, uma noção a meu respeito. Ele não bateu em mim; ele bateu nessa noção, nessa idéia a meu respeito; porque ele não me conhece, como ele pode me ofender? As pessoas devem ter falado alguma coisa a meu respeito, que "aquele homem é um ateu, um homem perigoso, que tira as pessoas do bom caminho, um revolucionário, um corruptor". Ele deve ter ouvido algo sobre mim e formou um conceito, uma idéia. Ele bateu nessa idéia.
Se vocês refletirem profundamente, continuou Buda, ele bateu na própria mente. Eu não faço parte dela, e vejo que este pobre homem tem alguma coisa a dizer, porque essa é uma maneira de dizer alguma coisa: ofender é uma maneira de dizer alguma coisa. Há momentos em que você sente que a linguagem é insuficiente: no amor profundo, na raiva extrema, no ódio, na oração.
Há momentos de grande intensidade em que a linguagem é impotente; então você precisa fazer alguma coisa. Quando vocês estão apaixonados e beijam ou abraçam a pessoa amada, o que estão fazendo? Estão dizendo algo. Quando vocês estão com raiva, uma raiva intensa, vocês batem na pessoa, cospem nela, estão dizendo algo. Eu entendo esse homem. Ele deve ter mais alguma coisa a dizer; por isso pergunto: "E agora?"

O homem ficou ainda mais confuso! E buda disse aos seus discípulos:
- Estou mais ofendido com vocês porque vocês me conhecem, viveram anos comigo e ainda reagem.
Atordoado, confuso, o homem voltou para casa. Naquela noite não conseguiu dormir.

Na manhã seguinte, o homem voltou lá e atirou-se aos pés de Buda. De novo, Buda lhe perguntou:
- E agora? Esse seu gesto também é uma maneira de dizer alguma coisa que não pode ser dita com a linguagem. Voltando-se para os discípulos, Buda falou:
- Olhe, Ananda, este homem aqui de novo. Ele está dizendo alguma coisa. Este homem é uma pessoa de emoções profundas.
O homem olhou para Buda e disse:
- Perdoe-me pelo que fiz ontem.
- Perdoar? – exclamou Buda. – Mas eu não sou o mesmo homem a quem você fez aquilo. O Ganges continua correndo, nunca é o mesmo Ganges de novo. Todo homem é um rio. O homem em quem você bateu não está mais aqui: eu apenas me pareço com ele, mas não sou mais o mesmo; aconteceu muita coisa nestas vinte e quatro horas! O rio correu bastante. Portanto, não posso perdoar você porque não tenho rancor contra você.
E você também é outro, continuou Buda. Posso ver que você não é o mesmo homem que veio aqui ontem, porque aquele homem estava com raiva; ele estava indignado. Ele me bateu e você está inclinado aos meus pés, tocando os meus pés; como pode ser o mesmo homem? Você não é o mesmo homem; portanto, vamos esquecer tudo. Essas duas pessoas: o homem que bateu e o homem em quem ele bateu não estão mais aqui. Venha cá. Vamos conversar.


FYM

O Ilimitado