sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Um dia desses eu vi dois urubus

Um dia desses, eu vi dois urubus e isso me fez pensar, me fez compreender uma coisa simples através de um fato também muito simples.
Eu nunca havia visto um urubu que não estivesse nos ares, portanto sempre o vi de longe. Urubus a gente vê por todo lugar, mas dificilmente de perto, então muitas pessoas nem conhecem a aparência dessa ave. Eu era uma dessas pessoas até que, num sábado de manhã, dois urubus enormes pousaram em uma árvore acima de mim. Fiquei maravilhado com aquela visão, com o tamanho das aves, com a cor escura de sua plumagem. Sempre fiquei impressionado com a elegância do seu vôo, com a beleza e imponência de suas asas abertas, mas fiquei espantado ao ver dois deles parados e a uma distância de uns dez metros de altura apenas.

Foi aí que pensei em como somos cegos, pois os vemos em todos os lugares, portanto são pássaros que estão muito próximos de nós, mas apesar da distância curta que nos separa nunca olhamos para eles. Temos uma imagem preconceituosa de um animal feio e nojento, só pelo fato de que ele come carniça, portanto nunca damos atenção.

O que achei mais impressionante é o fato de que as araras e os tucanos correm o risco de serem extintos e não existem em qualquer lugar e, mesmo assim muitíssimas pessoas do mundo todo já viram suas imagens e vídeos em documentários, livros e matérias de revistas e jornais, mas os urubus, tão próximos de nós, nunca conhecemos. Isso me mostrou de uma forma prática como os seres humanos dão um imenso valor a alguma coisa que consideram exótica e vivem suas vidas em função disso, enquanto que a beleza e a simplicidade que lhe é próxima é ignorada e vista de forma preconceituosa.

Como disse Jesus Cristo “a pedra que os construtores deixaram de lado, tornou-se a pedra mais importante” (Mc 12, 10), o que significa que as coisas que nos tornam felizes são aquelas que ignoramos, e estas coisas que ignoramos são as que estão “na nossa cara” ou “em baixo do nosso nariz”, como se diz popularmente. São justamente as coisas que já temos e as coisas simples da vida, mas infelizmente vivemos em busca de “araras” e “tucanos”, que são sensações fortes, emoções, novas experiências, novas pessoas, novos produtos, etc., coisas consideradas exóticas mas que um dia acabam.

É por isso que as araras e os tucanos estão desaparecendo. Deram-lhes um imenso valor e tantas pessoas os caçaram que agora eles estão quase sumindo.

Por isso felizes são os urubus que tem a sua beleza oculta aos olhos da multidão. Talvez se as pessoas aprendessem a olhá-los as araras e os tucanos seriam mais abundantes.

“Em primeiro lugar busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas.” (Mt 6, 33)

FYM

                                                                               Jerônimo Martins Marana

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Saindo da zona de conforto

Comodismo é uma das coisas que melhor pode explicar a estagnação ou, no mínimo, lentidão do progresso da consciência humana. Em outras palavras, comodismo quer dizer que temos preguiça, medo, relutância em evoluir.

A preguiça inclusa no comodismo é resultado do apego aos nossos hábitos de pensamento, de fala e de ação. Como dizia Nietzsche, o ser humano é o único animal que tem preguiça. Segundo ele (não que isso seja inteiramente verdade, mas também não que não seja) é a preguiça que nos torna diferente dos outros animais. Durante nossas vidas, conquistamos alguns objetivos, aprendemos determinadas coisas, atingimos conhecimentos que nos satisfazem, que nos agradam. Não que essas conquistas de fato não sejam boas. Mas elas criam uma espécie de armadilha que nos impede de ir além. Apoiando-se nessas conquistas somos impelidos a acreditar que já é o suficiente, que não precisamos buscar mais. A satisfação, o apego por aquilo que conquistamos causará um bloqueio, que pode ser comparado à preguiça de ir à frente, de evoluir, então temos preguiça de mudar a maneira de pensar, de agir e de falar. E não ajustamos nossa fala e ação justamente porque temos preguiça de mudar a mentalidade, tão necessária para qualquer alteração. Assim, através de nossa própria satisfação criamos um inimigo para nossa evolução.

Comodismo não é só preguiça, também é medo. O medo do novo, o medo do desconhecido. A zona de conforto que estabelecemos também é uma zona de segurança. Nessa zona tudo o que conhecemos é seguro porque já sabemos mais ou menos os efeitos, as conseqüências. Apegamos-nos àquilo que já conhecemos e assim tomamos aquilo como certo, pois com essas ferramentas que já possuímos atingimos algum resultado, mesmo que não seja exatamente o desejado, mesmo que seja apenas uma aproximação daquilo que realmente almejamos. Através do que já sabemos é claro que conseguimos algumas coisas que queremos, mas assim às vezes custa muito esforço, gasto desnecessário de energia, insatisfação e sofrimento. Porém, só com o que sabemos nem sempre somos capazes de realizar tudo e muitas coisas parecem inexplicáveis. Tudo isso porque temos medo de ir além e descobrir, por fim, uma maneira mais eficiente de realizar nossas aspirações.

Por isso, ao sairmos da zona de conforto, também estamos deixando a linha que delimita aquilo que nos é conhecido e partimos para um novo mundo, onde tudo é possível, tanto o acerto como o erro. A maioria das pessoas teme esse novo mundo, mas é exatamente esse mundo que nos acrescenta, nos ensina, oferece as ferramentas para a nossa evolução.

A terceira das características que citamos do comodismo é a relutância. Quando estamos muito apegados às velhas, ou até mesmo às maneiras atuais de fazer as coisas, nos tornamos relutantes em fazer diferente, mesmo sabendo da possibilidade de obter maior êxito. Adoramos fazer tudo do velho jeitinho e por medo de um resultado desconhecido e por preguiça de se mover temos relutância em fazer de outra maneira.

Estamos no final de dezembro, portanto próximos do ano novo, que finaliza mais um ciclo, mais uma volta em torno do Astro Rei, e como de costume e tradição no mundo todo, está chegando o momento de renovação e de reflexão que respeitosamente chamamos de virada do ano. Existe uma aura que ronda esse dia, uma espécie de mágica que transcende todos os outros dias (como se eles não fossem tão importantes como esse). É o dia não só de reflexão e renovação, mas também de inúmeras promessas que não serão cumpridas e que serão esquecidas logo no dia 2. Essa é a importância que damos para o primeiro dia de todos os anos. Inúmeras promessas de regimes, matrículas em academias, escolas de idiomas, parar de fumar, de beber e outras promessas sem número são deixadas sempre para a segunda feira seguinte, até que na última segunda feira do ano não se tem indício de algum cumprimento. São promessas vazias, porque para aquele que promete não tem realmente um sentido, é só da boca para fora. Nesse momento gostaríamos de informar que do dia 31 de dezembro para 1 de janeiro não é muito diferente de qualquer outro dia do ano, primeiro vem 23h59 e depois vem meia noite, portanto qualquer outro dia também é dia de mudança.

É claro que temos um ritmo, um ciclo criado socialmente, pois temos inúmeras preocupações, trabalho, deveres ao longo do ano e a quebra dessa rotina que chega com o final do ano, abre, para a maioria das pessoas, uma possibilidade de reflexão e de projeções. Para esse tipo de atitude, portanto, as férias e essa quebra acabam se tornando convenientes no atual sistema em que está inserida a sociedade.  

É nesse contexto de mudanças, tão presente na tradição de passagem de ano e na idéia que ela carrega que decidimos escrever sobre o comodismo.  Então como triunfar sobre o comodismo? O que fazer então para sair da zona de conforto? Acreditamos que esforço e disciplina são, ao menos, algumas das palavras chave necessárias para nos livrarmos do apego que torna cômodo nosso pensar, agir e falar. Dessa forma, acreditamos que devemos usar as conquistas como degraus para o próximo objetivo e não nos contentarmos nem apegarmos a elas. E sobre as aspirações, acreditamos também que devemos situá-las em um patamar onde sejamos capazes de chegar, assim não nos tornamos apenas faladores e nos aproximamos mais de cumprir o que nos propusemos a fazer.

Na verdade é disso que se trata a idéia do blog, de nos livrar das amarras que atravancam nossa evolução e buscar meios de nos tornarmos Ilimitados. Apoiando-se nesse pensamento nós aproveitamos para desejar a todos um bom final de ano e que possamos nos tornar mais conscientes não só a cada novo ano, mas a cada novo dia.

FYM

                                                                                                                    O Ilimitado

sábado, 4 de dezembro de 2010

A proibição do sentir

Ao meu redor existe uma enorme quantidade de pessoas fortes, pessoas de espíritos fortes. São pessoas que não sofrem, não choram, não sentem dor. Na verdade não são espíritos fortes, mas sim enrijecidos, tão enrijecidos que seus sentimentos estão quase totalmente bloqueados. Os corações dessas pessoas são frios e duros como pedras.

Observo isso quando vejo o sofrimento de alguém e uma dessas pessoas duras não permite a expressão dos seus sentimentos. Quando as pessoas se encontram em situações de profundo sofrimento, o que lhes é cobrado é que parem de chorar, que não expressem os seus sentimentos. Tornou-se antiquado chorar, é proibido. Adultos não choram, homens não choram, e até as crianças são obrigadas a “engolir” o seu choro (não é isso que os pais muitas vezes fazem com as crianças? Não mandam elas pararem de chorar?). Se soubessem o mal que faz à saúde não expressar os sentimentos... É preciso ter uma visão holística do ser humano (e do universo, é claro). Wilhelm Reich, um dos mais brilhantes alunos de Sigmund Freud, descobriu o que ele chamou de couraça muscular. Couraças musculares são contrações crônicas na musculatura que são mantidas inconscientemente  para reprimir sentimentos impedidos de serem expressos, para mantê-los sob controle, e isso causa dores, alterações no padrão respiratório e outros desnecessários problemas de saúde, fora o gasto de energia necessário para mantê-las.

O que me parece é que o ego das pessoas tem medo da derrota, da perda, da queda, então as pessoas procuram se mostrar fortes, inabaláveis, não podem dar o mínimo indício de fraqueza, e isso as torna quase completamente insensíveis. Eu gostaria que alguém me explicasse qual é realmente o problema em chorar. Infelizmente essa sociedade egoísta nos cobra de “ficarmos em pé” o tempo todo, não se pode cair e permanecer no chão por um tempo para rever as coisas, para analisar a situação e os sentimentos, se recompor emocionalmente e, enfim, retomar o controle de nossas vidas. Qualquer sentimento deve ser deixado de lado, porque o trabalho é mais importante, porque qualquer finalidade egoísta é mais importante, e para fugir dos sentimentos qualquer coisa é permitida, álcool, cigarro, drogas, festas, sexo, beijo, esportes, carros, consumo, dinheiro, jogos, brincadeiras, dança, piada, comida, filmes, videogames, qualquer coisa que permita matar afogado o sentimento, que permita o esquecimento e fuga do mesmo, qualquer coisa que desvie sua atenção do que está ali, mas sentir é proibido. Não que todas essas coisas citadas sejam ruins em si mesmas, algumas vezes até são, mas inúmeras vezes até coisas simples, bons hábitos e outras coisas que gostamos são utilizadas no sentido de fuga, o que não é positivo, então até isso às vezes é um perigo. Até a religião pode ser utilizada como fuga. Mas não se deve buscar Deus para fugir, deve-se buscar Deus para enfrentar. Até dormir é uma fuga.

Vou dar um exemplo simples. Estou escrevendo este texto. Posso usá-lo para me vangloriar, para me sentir grande, superior, ou até mesmo sábio, tudo isso para me sentir bem, para fugir de algo, para encobrir uma angústia, enfim, para confortar o ego. É uma possibilidade, mas sei que ao terminar de escrever não devo ficar preso ao que escrevi, me desapego e vou fazer outra coisa.

Esse “afogamento” acontece mesmo que as emoções, sentimentos e suas expressões sejam processos fisiológicos, além de psicológicos, onde entra em ação uma área do cérebro chamada sistema límbico, um complexo de estruturas associadas incluindo o hipotálamo, que atua não só nas emoções, mas regula a atividade dos órgãos, sono e fome, entre muitas outras coisas, e é por isso que se tem muita ou pouca fome, ou sono, por exemplo, quando se está emocionalmente abalado, e também por isso que sentimos uma sensação de mal estar nos nossos órgãos. Isso quer dizer que impedir durante toda uma vida sentimentos de serem expressos é o mesmo que impedir a excreção, que igualmente é um processo fisiológico. Imagine o que aconteceria se fosse possível impedir a excreção durante toda uma vida o que aconteceria. E é também por isso que as drogas e o álcool potencializam seja lá o que for que você esteja sentindo, pois eles atuam justamente no hipotálamo.

Além da proibição do sentir, quando se transgride essa regra a pessoa acaba não sabendo como sentir. Não se sabe como dar vazão aos sentimentos, nem mesmo se tem controle sobre isso. Muito sofrimento acumulado no inconsciente acaba sendo colocado para fora por causa de uma situação que nada tem a ver com a situação que o criou. Logo, quando você sente raiva de alguma coisa ou de alguém por um motivo qualquer você acaba tentando, inconscientemente, descarregar toda a sua raiva que foi reprimida durante anos, e aí acaba causando algum tipo de dano a outras pessoas ou a alguma coisa.

Mas ter controle sobre os próprios sentimentos e saber como expressá-los de forma não prejudicial é quase um superpoder, uma realização sobrehumana, portanto, o ego não quer que a outra pessoa expresse os seus sentimentos, pois ele não pode ver que o outro consegue o que ele não consegue, sabe o que ele não sabe, e me parece ser por isso que uma pessoa não permite que a outra expresse os seus sentimentos, pois ela mesma teve que reprimir os seus e por isso não sabe como expressá-los, portanto não quer que outra pessoa o faça ou saiba como fazer.

Eu gostaria de saber o que é que pensam os insensíveis quando vão dormir, pois muitas vezes o travesseiro é o nosso capataz, já que a hora que deitamos nossa cabeça nele, sem nenhuma atividade que possa nos distrair, os sentimentos, as angústias e preocupações vem visitar o nosso pensamento.

O iluminado mestre espiritual Eckhart Tolle, em seu livro O Poder do Agora fala em um trecho sobre algo que ele aprendeu com os patos. Quando um pato invade o espaço do outro os dois fazem uma barulheira e batem as suas asas freneticamente para descarregar a energia acumulada com a raiva, sem a necessidade de um confronto físico, depois cada um vai para o seu canto e fica tranqüilo, como se nunca nada tivesse ocorrido.

Portanto, seja lá o que for que você estiver sentindo, você deve sentir no momento que ocorre, tente viver o momento presente, porque é aí onde a vida acontece, nada acontece fora do momento presente. Quando o passado ocorreu ele era presente, e quando o futuro chegar ele também o será. Tente entender que passado e futuro não existem fora da mente. Se no seu presente você sofre, viva o sofrimento, deixe que ele aconteça e apenas observe. Não negue o sentimento, pois ele sempre tentará conseguir a sua atenção, portanto dê atenção a ele no momento em que ele surge para que ele não te perturbe, pois se não fizer isso será mais difícil liberá-lo mais tarde, e ele continuará tentando conseguir sua atenção durante anos. Observe, também, que quando incorre um sentimento negativo muito forte pode surgir o desejo de não se  pensar em nada. E não pensar em nada é meditação. Parar o pensamento é possível e necessita prática diária. Pratique a meditação diligentemente, mas não faça sozinho, procure um bom mestre para orientá-lo.

E pense melhor quando quiser impedir o choro, o medo ou a raiva de alguém.

FYM

                                                                                              Jerônimo Martins Marana

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O terreno fértil

Uma de minhas grandes frustrações é olhar as crianças pequenas de um, dois ou três anos de idade e saber que elas crescerão e tornar-se-ão pessoas adultas com os mesmos problemas, tensões emocionais e sofrimentos do que nós, adultos, que nos dizemos maduros. Ao mesmo tempo, vejo os adultos, os mesmos adultos que exploram e utilizam seus semelhantes para os seus interesses egoístas, e tenho a consciência de que um dia eles foram aquelas maravilhosas crianças pequenas que eu, realmente, amo.

Na minha visão já se tornou um clichê o dito de que o futuro do planeta são as crianças, os jovens, os adolescentes e que por isso temos que educá-los. Há anos que ouço essas palavras e isso soa um pouco como se a responsabilidade fosse jogada sobre essas pequenas pessoas. É claro que os educadores também estão incluídos nesta parcela de pessoas que receberam a responsabilidade “de presente”. Mas quem são esses educadores? Como sempre ouvi isso na escola, nunca fora dela, me parece que só os professores dessa instituição foram considerados como educadores, que é uma idéia que parece estar contida no “dito popular” a que me referi no início. Ao mesmo tempo, a impressão que tenho é que foram os próprios educadores que criaram esse pensamento e presentearam as crianças com essa responsabilidade, ao mesmo tempo em que, na prática, parecem participar de forma muito passiva na questão “futuro da raça humana e do planeta” e na questão educação.

              O que quero dizer é que na tentativa de educar, quem educa coloca-se de lado, ou melhor, coloca-se meio que fora da situação, como se fizesse o que considera sua parte e depois simplesmente vai embora deixando seus educandos ao relento, sem orientação para – e com a responsabilidade de – buscar a solução do mundo e o tal do “bem viver”. Assim, utiliza-se de chantagens para atingir o efeito desejado. Até mesmo se bate em crianças para adestrá-las. Louvo a educação que ao invés de impor as regras pelo medo das consequências da transgressão, as ensina pela coragem de reconhecer e assumir o erro, o que demora mais tempo para atingir o objetivo desejado, mas com certeza o atinge de forma mais pura e eficiente.

É preciso lembrar que a tarefa da educação de crianças é de todas as pessoas mais velhas, não apenas de professores escolares. E vejo que quando educamos, quando ensinamos, ensinamos o que acreditamos ser bom, ou seja, aquilo que é de nosso interesse, aquilo que construímos com a nossa experiência de vida ou herdamos cultural e socialmente, e nesse processo ajudamos na propagação de hábitos que a cultura e a sociedade perpetua por meio de um inconsciente coletivo e constantemente não reconhecemos e questionamos esses hábitos para verificar quais deles são e se são realmente bons ou não. É paradoxal, mas estou dizendo que constantemente não fazemos alguma coisa, ao invés de constantemente fazer. E é dessa forma que a educação que damos pode ser algo pelo menos um pouco egocêntrica.

Agora que já introduzi o assunto posso falar do que realmente quero, e para isso, preciso primeiro falar sobre sementes.

O que é uma semente? Uma semente eu vejo como algo mais abrangente do que aquilo que vai virar uma planta. É a essência, que é simples e diminuta, de algo infinitamente maior e mais complexo, e aqui recorro à biologia para explicar: uma semente dá origem a uma árvore muito maior e mais complexa do que ela própria, assim o é o zigoto em relação ao corpo humano. Da mesma forma, uma criança é uma semente de adulto. Devemos pois ser atentos ao ensinar, porque quando fazemos isso estamos plantando sementes na mente da criança, e para isso devemos repensar e questionar algumas coisas para termos subsídios para educar de uma forma mais eficiente.

Algumas coisas relativas à educação das crianças tem me chamado muito a atenção, e eu digo a respeito da família, porque é o contato primeiro da criança com o mundo, é a SEMENTE do convívio social mais complexo e amplo. E o que mais me chama a atenção é algo que para outras pessoas pode ser aparentemente bobo e insignificante. O ser humano é a única espécie que dorme sem ter sono e come sem ter fome. E é sobre comer que eu quero falar.

Quando a criança ainda é lactante, que horas a mãe a alimenta? Alguns segundos de reflexão... A resposta é fácil: quando a criança chora. Nesta fase, a criança quando tem fome chora para avisar a mãe, então bebe seu leite e quando se satisfaz ela simplesmente para.

E depois de desmamar? Quando passa essa época a criança precisa se adaptar ao horário dos adultos, e por isso, redundante e obviamente almoça na hora do almoço. Na verdade essa redundância pode significar que comemos não porque temos fome, mas porque é meio dia, e isso é criado culturalmente. Não que isso seja de todo uma coisa ruim, pois talvez seja bom criar esse hábito, afinal nosso sistema nervoso comanda um relógio biológico que regula entre outras coisas o horário do sono e da fome. Acredito que se ajustarmos esse relógio para facilitar nossa vida isso pode ser benéfico, assim teremos fome no momento que temos disponibilidade para preparar a comida e comê-la. Já os animais carnívoros sempre que tem fome tem também disponibilidade para caçar e para comer, então apenas caçam quando tem fome e só comem quando caçam, até porque sua comida anda, então não vale a pena ficar gastando energia para armazená-la, sendo que ela vai apodrecer. Penso, portanto, que a possibilidade de adaptar o horário da nossa fome seja uma vantagem da espécie humana, não precisamos mais viver no nomadismo e caçar, como era nos primórdios, pois já aprendemos a agricultura, diferente dos animais selvagens. Um tigre, por exemplo, pode comer até dezoito quilos de carne de uma vez e depois ficar dias sem comer, mas só come quando tem fome. Nós humanos não precisamos mais ficar dias sem comer pois já temos a agricultura, então nosso alimento sempre está disponível para quando a fome chegar, então ela pode chegar quando quisermos.

              O problema aqui é que a criança precisa se adaptar a comer no nosso horário quando está acostumada a comer no seu horário, então os adultos tiram suas cartas da manga, que para mim são o verdadeiro problema. Aí dizem para a criança: “olha que comida gostosa!”. Comer porque a comida é gostosa... Não seria essa a semente da gula? Do vício de comer quando não se tem fome? Vale a pena pensar.

              Então troca, essa chantagem ainda não deu certo, a criança é dura na queda e ainda não quer comer. Vamos então para “todo mundo está comendo! A mamãe está comendo, o papai está comendo, o passarinho está comendo!”  O gato, o cachorro, o irmão, a irmã, o tio, o avô, o personagem do desenho animado... Todo mundo entra na história. Mas comer porque todo mundo está comendo? Não seria essa a semente da inveja e do comportamento de fazer o que todos fazem simplesmente porque todo mundo faz e no fim das contas pensar que isso é normal só porque todo mundo está fazendo? Vale a pena pensar.

Aparentemente essa é uma questão insignificante, mas como eu havia dito no início, a criança é uma semente de adulto. Quando nasce ela chega em um mundo desconhecido do qual nada sabe. Nada sabe porque é ainda um ser com uma mente racional simples em relação à dos adultos. Então, uma frase simples do ponto de vista do adulto poderia ser implantada na mente infantil e ambas, a mente e a essência (o real significado) da frase, se desenvolvem com o tempo transformando-se em coisas mais complexas, assim como se dá com os traumas, com o sofrimento. O sentimento de perda, por exemplo, de um animal estimação, ou perda de um ente querido na infância pode se desenvolver e  transformar-se numa profunda depressão futuramente. Um sentimento de raiva reprimido em tenra idade pode se desenvolver até transformar-se numa psicopatia. Aliás, nunca ouvi falar numa criança esquizofrênica, ou psicopata, ou anoréxica, ou depressiva a ponto de cometer suicídio, ou assassinato, etc. Não que isso não aconteça, certamente acontece em casos extremos, mas geralmente se ouve falar desse tipo de coisa acontecendo na vida adulta ou, ao menos, na adolescência.

Sementes plantadas na infância crescem e florescem na mente com o passar dos anos, mente esta que também cresce e se torna uma mente mais poderosa, digamos assim. O mundo da criança é muito menor e mais simples do que o dos adultos, por isso, não devemos medi-lo pela nossa escala, mas sim pela escala da criança, que é muito menor.

Tudo bem, nada funcionou, ela quer assistir à televisão, então damos a comida enquanto ela assiste, ou enquanto brinca. Não há atenção no ato de comer, e no futuro a dificuldade de atenção e concentração será grande. Não haverá tanta atenção quanto poderia e deveria no exercício físico, no estudo, no trabalho, já que atenção é somente atenção, seja no que for, seja no comer ou qualquer uma destas atividades.

Já diz a famosa frase, budista se não estou enganado: “Não comemos enquanto comemos e não dormimos enquanto dormimos.” Quando comemos falamos ou pensamos sobre tudo, o sistema nervoso concentrado na digestão e a mente concentrada no que acontece durante o dia. Quando dormimos levamos nossas preocupações, sofrimentos, projetos, trabalhos e desejos para o travesseiro, sonhamos com isso tudo, e o inconsciente fica dando voltas e voltas em torno disso enquanto a mente e o corpo precisam de descanso.

O que eu posso apresentar como solução para isso tudo não é em termos de “o que fazer”, mas sim de “o que não fazer”. Não devemos ensinar com o ego, não devemos utilizar artifícios que poderão ser origem de outros problemas futuros de solução mais difícil. Precisamos questionar, precisamos encontrar o problema, fazer a pergunta certa para descobri-lo, procurar a resposta, devemos questionar os nossos costumes, a nossa cultura. Infelizmente o sofrimento na vida adulta é em parte por causa da experiência de quem veio primeiro e ensinou a sua interpretação das experiências.

O que apresentei aqui é como acredito que tais coisas são, mas minha fala não precisa ser tomada como verdade, nem posso dizer que é, ninguém também nunca me disse a respeito do que escrevi, é somente o que eu penso, é como eu vejo as coisas e eu estou compartilhando aqui no blog. Creio que antes de rejeitar uma idéia devemos entender o que ela quer dizer, e a  minha pode parecer absurda, mas acredito que valha a pena pensar...

Nota: O psicanalista Carl Gustav Jung é responsável pela teoria do inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo é a parte da psique humana constituída por tudo o que foi herdado da humanidade. Significa, então, que a humanidade mais atual sempre herda algo que fica gravado na sua mente inconsciente das gerações anteriores.

FYM

                                                                                        Jerônimo Martins Marana

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Aquele que muda

Existem no mundo algumas pessoas com pensamentos realmente ímpares. São visionários, pessoas com um propósito e ideal firme de vida e por vezes inovador, ou no mínimo com contribuições magníficas para a humanidade, seja nas atividades físicas, ciência, espiritualidade, arte, medicina, etc. Nesse grupo de pessoas encontram-se personalidades brilhantes como Albert Einstein, importantíssimo na ciência, mas que possuía uma filosofia de vida que não era separada da sua genialidade, Charlie Chaplin, que mesmo sendo vítima de muitos problemas pessoais e sofrimento era brilhante em suas críticas e também na forma de pensar sobre a vida além de possuir igual brilhantismo na sua forma de atuar (o que me faz considerá-lo um dos únicos atores que fizeram o seu papel com arte), Isaac Newton, importante alquimista e estudioso da religião cristã, mas que ficou conhecido por meio de seus feitos na física, entre muitos outros que figuraram por este “pequenúsculo” planeta.

Mas às vezes a visão destas pessoas está à frente da mentalidade da sociedade do seu tempo. Um exemplo de que gosto muito é o Dr. Franz Anton Mesmer, médico dos séculos XVIII e XIX que criou a teoria chamada de magnetismo animal (mais tarde também conhecida como mesmerismo), teoria esta que foi rejeitada pela sociedade científica da sua época e que por isso chegou até a ser expulso de seu país! Sim, dr. Mesmer estava muito à frente da mentalidade de sua época, tanto que sua teoria do magnetismo animal se assemelha ao que o psiquiatra e psicanalista austríaco Wilhelm Reich (o maior aluno de Sigmund Freud) denominou orgônio – que nada mais é do que os chineses há muito tempo já conhecem e chamam de chi (qi) e os indianos de prana – e o tratamento que utilizava se encontra em muitos pontos com a terapia bioenergética (de Alexander Lowen, aluno de Reich), ou seja, Franz Mesmer no século XVIII já falava de coisas que só foram aceitas pela ciência ocidental no século XX (em contrapartida, havia um simpatizante de sua teoria que era ninguém mais, ninguém menos que Allan Kardec, o fundador da religião espírita, século XIX).

Certo, nesse ponto você pode perguntar: porque falar tanto desse tal de Mesmer e magnetismo animal (que o leitor sugestivamente já está curioso e vai procurar no google pra saber a respeito), e de outras personalidades que ficaram para a história?

Então vamos lá. Onde quero chegar com isso?

Veja bem: Jesus Cristo foi crucificado, como dizemos, que é o mesmo que executado, que é o mesmo que assassinato formal institucionalizado. Não é preciso mais do que isso para ilustrar minha idéia. Isso sem contar que as palavras Dele são atemporais, tanto que dois mil anos depois de seu nascimento ainda fala-se dele e de seus ensinamentos, tamanha sua importância.

Retomemos então o início do artigo: “Existem no mundo algumas pessoas com pensamentos realmente ímpares. São visionários, pessoas com um propósito e ideal firme de vida e por vezes inovador, ou no mínimo com contribuições magníficas para a humanidade, seja nas atividades físicas, ciência, espiritualidade, arte, medicina, etc”. Estas pessoas extraordinárias muitas vezes são rejeitadas e duramente criticadas, ou até vítimas de violência e assassinato como já foi dito. E eu falei de exemplos famosos, mas existem pessoas aparentemente comuns e cabeças-duras que vivem na obscuridade. Acredito profundamente nisso. Estas pessoas são também visionárias, mas encontram resistência onde estão, digo, na sua cultura, círculo social, etc. Alguns deles acabam percebendo, ainda que inconscientemente ou muito subjetivamente, a loucura do mundo, do ser humano, do sistema capitalista, ou qualquer outro sistema econômico do mundo, pode ser também o feudalismo, o socialismo ou qualquer outro “ismo” que desejar, seja ele “bananismo” ou “abacaxismo”, mas nessa profunda e diferente visão de mundo ou no processo que a desencadeia, muitos acabam contraindo para si um grande sofrimento, seja este um sentimento de solidão, depressão, loucura, dentre outros. Pensando assim chego à conclusão de que a humanidade com certeza perdeu muitas pessoas brilhantes que terminaram em suicídio, ou foram mortas por outras ou, fatalmente eu diria, acabaram abandonando seus próprios pensamentos, sua visão única e inovadora, sua “gema preciosa”, seus “ovos de ouro”.

E por que? Porque tanta perda de pessoas ou de idéias que poderiam contribuir tanto com o nosso mundo? Muitas vezes essas pessoas são pela sociedade ou pelo seu círculo social consideradas como loucas, hereges, perturbadoras da ordem – se antes não fazia, espero que agora faça sentido os citados exemplos do dr. Mesmer e Jesus Cristo – e no pesado sofrimento que encontram por conta disso podem acabar em psicólogos, psiquiatras, ou mesmo entre amigos, etc., que incapazes de perceber a genialidade de tais indivíduos tão distintos, acabam forçando-os, ou ao menos tentando forçá-los a enquadrarem-se no pensamento comum dos verdadeiros loucos, loucos não no sentido pejorativo que eles mesmo atribuem aos visionários, mas aqueles que não conseguem sair do ciclo que mantêm suas vidas vazias, tornando-as apenas sobrevidas, onde mais sofrimento e ilusão são criados a cada dia. Ou seja: considerados como loucos pela maioria de consciência comum, que se auto proclama normal, tais indivíduos magníficos podem ser puxados de volta para a verdadeira loucura que é essa correria pelo sucesso, pelo dinheiro, pelo maior número de pessoas com quem se relaciona intimamente ou mesmo uma busca desenfreada por amor e carinho, pelos produtos da moda, pelos mesmos vícios, enfim, pelos objetivos vazios. O resultado disso depende do caso, depende da proposta do “louco” idealizador, mas pode ser um hospital psiquiátrico, assassinato ou suicídio. É claro que existem loucos nos manicômios, de forma alguma quero dizer que todo louco foi um dia um gênio não reconhecido, mas subestimar o pensamento e filosofia de uma pessoa só pelo fato de que ela é diferente da cultura comum não considero sensato. Exagero? Não! A história comprova: na Idade Média a “Santa” Inquisição proibiu Galileu Galilei de pregar o heliocentrismo, mas contra a insituição da igreja e aos seus seguidores ele era o único que estava certo (considerando ele como a única pessoa que assim pensava assumidamente, o que não deve corresponder à realidade, mas serve como exemplo), e graças à sua coragem de enfrentar o pensamento da maioria e da Igreja Católica (na época a “portadora da verdade”) felizmente hoje sabemos que sim, é a Terra que gira em torno do Sol, e não o inverso. É uma pena que a igreja católica só foi absolvê-lo muito tempo depois de ele ter desaparecido do solo terrestre, o que de nada adianta, já que hoje a igreja tem que admitir, queira ou não, que o Sol não gira em torno dos homens (haja egocentrismo! Ou antropocentrismo?...).

Certo, chega de nomes famosos. A essência da minha idéia é de que há uma resistência contra o novo, contra o desconhecido. Até agora falei principalmente de ciência, e ainda não falei muito sobre o que diz respeito à melhora do indivíduo como ser humano, à espiritualidade e ao comportamento, coisas inseparáveis, acredito. Todas as pessoas buscam pela felicidade e pela realização. Infelizmente, parte disso acontece às custas de um egoísmo que é refletido na sociedade, no modo de vida, na organização da sociedade, no sistema econômico, no comportamento, e a tal da felicidade, ilusória e impermanente, é conquistada às custas dos outros, trapaceando e usando e direcionando as pessoas para os seus objetivos. Mas existem os indivíduos singulares, que acabam procurando uma alternativa ao seu desenvolvimento e busca dessa felicidade, alternativa esta que visa não prejudicar nem a si mesmo e nem aos outros. Contudo, isso foge ao modo comum e de certa forma em alguns casos pode ser um martírio agir assim, pois isso acaba mexendo com o sentimento, pensamento e emoção de outras pessoas, que para respeitar tal diferença acabam precisando se esforçar um pouco, ou muito, para que isso ocorra, e talvez nem todos queiram realizar tal esforço. E é dessa forma que a atitude desses corajosos seres encontra resistência no meio em que vivem. Logo, o indivíduo diferente acaba precisando treinar mais a sua paciência e tolerância, mas felizmente, ele é quem ganha com isso, e quando ele ganha, todos os demais ganham, pois ele pode beneficiar aos outros com aquilo que conquistou.

O Homem Diferente

Exterminado o conhecimento, não haverá mais desgostos
Entre o sim e o não, que grande diferença existe?
Entre o bem e o mal, qual a distância?
O que todos os homens temem deve ser temido
mas que imensas e infindas são as discussões que se seguem! A multidão de homens parece satisfeita, está cheia de ardor, exaltada como num festim semelhante ao que fazem os que escalam as montanhas na primavera.
Somente eu estou calmo, tranquilo, meus desejos não deram qualquer indício da sua presença. Sou como um recém nascido que ainda não sorriu.
Pareço abandonado, errante, sem finalidade!
Os outros homens possuem o supérfluo, só eu sou por todos deserdado.
O homem da multidão julga-se iluminado, enquanto eu na penumbra estou
mergulhado.
O homem da multidão julga-se infalível, persipicaz, somente eu, dobrado
sobre mim mesmo, sou móvel como o oceano, sempre a flutuar, A multidão torna-se útil,
somente eu sou inapto, tal um
pária abandonado.
Eu, sozinho, sou diferente de todos os homens porque venero profundamente a mãe que todos alimenta (O Tao).

Lao Tsé, Tao Te Ching, poema 20 (editora pensamento)

FYM

                                                                                                          Jerônimo Martins Marana

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A morte do ser humano extraordinário

Algo que tem me incomodado bastante nesses últimos anos é a ausência de uma pessoa, alguém que seja um exemplo a ser seguido, que me inspire a crescer como ser humano. Quando eu era mais novo ficava imaginando o quão superiores eram os adultos, a quantidade de conhecimento que eles possuem e a quantidade de experiências vivenciadas por eles. Era algo tão distante da minha humilde existência de criança que me submetia às suas ordens e ouvia seus conselhos, como um aprendiz ouve com muita atenção as palavras de seu mestre.

Porém, eu cresci e percebi que esse mundo mágico dos adultos super inteligentes e bem vividos não existe. Aquele ser idealizado, que iria me ensinar o significado das coisas, da nossa existência, do motivo pelo qual movo minhas ações e vivo minha vida, simplesmente sumiu. Na mesma velocidade em que os anos passaram esse ideal se esvaiu, se apagou. Hoje só consigo enxergar milhões, bilhões de pessoas perdidas em suas preocupações, seus problemas, suas aspirações materiais, ou seja, um mundo completamente diferente do qual idealizava com meus 4, 5 anos. Atualmente tenho tanto conhecimento da humanidade quanto quando tinha essa idade.

Com certeza o homem adulto possui mais conhecimento, mais habilidades físicas e mentais do que uma criança, mas quando se trata da sua parte mais fundamental, o controle de suas próprias emoções, a busca por um entendimento acerca da nossa humanidade e de nossa existência nós não passamos de crianças e, às vezes, nos comparamos a bebês!

Se você reparar bem perceberá que aqueles nomes, aquelas pessoas que são um exemplo, cujas atitudes são dignas de ser seguidas e reproduzidas, elas estão sumindo. Não que elas não existam mais, mas elas deixam de ser conhecidas pelas suas qualidades. Ultimamente tenho percebido uma tendência das pessoas a desqualificar o outro, seja ele o mendigo da praça, o vizinho que fala alto, ou mesmo o papa. E o que eu quero dizer com desqualificar? Quero dizer, simplesmente aquilo que a palavra representa literalmente – desprover alguém de suas qualidades.

As pessoas tendem a rebaixar aquele que se destaca, aquele que mostra estar um passo a frente, aquela que alcançou uma melhor compreensão sobre nós mesmos. E qual o motivo dessa atitude absurda? Será que as pessoas realmente são assim, ou alguma força me levou a acreditar nisso? Ou alguma força existente na própria sociedade a fez desacreditar de sua própria capacidade? Acredito que a resposta está nesse sistema de vida que incorporamos, que aceitamos sem reagir, sem reclamar. Essa lógica ridícula de competição, de querer estar à frente a qualquer custo. Acredito que um dos problemas fundamentais está nessa lógica que é adotada como normal, essa dinâmica de vida que nos submetemos de forma compulsória, acreditando ser a única existente. Esse pensamento incorporado à sociedade como um todo leva cada indivíduo a agir de forma coerente ao sistema. Por isso não encontramos mais esses grandes nomes, essas pessoas extraordinárias (extra – que está fora; e ordinário – aquilo que é comum, que está em sua ordem normal, ou seja, extraordinário no sentido daquilo que está fora do normal, daquilo que está fora do que estamos acostumados), pois não permitimos que elas existam. Somos condicionados a desqualificar aquele que aparece com grandes qualidades. Ao invés de nos inspirarmos nessas qualidades, focamos em seus defeitos, pois não podemos ficar para trás e a maneira mais fácil de alcançar quem está na frente é passando o pé nele.

No fim das contas quem acaba saindo perdendo somos nós, sempre nós. Longe de algo palpável para se apoiar e seguir evoluindo caminhamos a esmo obedecendo ao movimento da maré, somos escravos de um sistema sem sentido e nem nos damos conta disso. Ao invés de trabalharmos juntos em busca de evolução humana, de buscarmos um autoconhecimento, de nos preocuparmos em um futuro melhor para nós mesmos, nós fazemos exatamente o contrário. Dostoievski desenvolve no livro Crime e Castigo, uma teoria sobre o homem ordinário e o homem extraordinário. Não vou transcrevê-la aqui, mas me aproprio do homem extraordinário para explicar meu pensamento. Acredito que o ser humano extraordinário está sendo eliminado por uma multidão invejosa e robotizada. A sociedade considera o ser humano extraordinário um louco, alheio à realidade, quando na verdade ele é o único com pingo de sanidade em um mundo de loucos. O ser humano extraordinário se desfaz das amarras do sistema e procura respostas e diferentes perguntas que transcendam essa nossa existência vazia. E por inovar, por apresentar uma nova visão de mundo é perseguido (atualmente essa perseguição se dá através de preconceitos, antipatia, isolamento e às vezes as antigas perseguições violentas também), é excluído. Não que essa pessoa (essas pessoas) não mais exista, na verdade eu deposito grande parte da minha esperança na existência dessas pessoas, pois são elas que contribuem com a evolução do nosso mundo. Mas a alienação, o distanciamento constante do verdadeiro ensinamento, aquilo que há muito tempo os orientais procuram em suas filosofias de vida, está sendo massacrado pela cultura e conhecimento ocidental, pela lógica capitalista de vida, pelo domínio do mundo material, do mundo de aparências.

Me dei conta afinal que o ser humano extraordinário, aquele que busco desde minha infância como tutor, como um professor da vida, está obscurecido pela massa cega e reacionária da sociedade. Enquanto não encontro o meu tutor, sigo por conta própria a minha “batalha culminante para matar o falso ser interior e concluir com vitória a revolução espiritual" (Alexander Supertramp).

FYM

Alexandre Hernandes

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Aprendendo com animais de estimação

Gosto de observar tudo. Observo meus animais e vejo que eles tem algumas características interessantes para serem observadas e aderidas por nós, humanos, que muitas vezes não as possuímos.

Veja bem um cachorro. Quando o dono sai de casa ele chora, late, uiva, espera no portão pela volta, sem saber pra onde o dono foi e quando ele volta. E após o retorno do seu dono lá está o cachorro pulando de alegria, lambendo e pronto para ser acariciado ou simplesmente fazer companhia. Ele não está interessado em saber onde estava, porque não o levou junto e não vai culpá-lo por tê-lo feito chorar e gritar. Ou então, quando o cão faz uma coisa errada e o dono fala firme, perde realmente a paciência, fica com raiva... Se logo em seguida o chamasse, ele com certeza, fielmente, iria abanando o rabo até seu amado dono. Não existe rancor, não existe raiva, não existe mágoa. E nem mesmo o perdão existe, porque os cães não precisam dessa palavra, afinal, como pode existir perdão se não existe o rancor? O “perdão” é uma coisa inata, o cão simplesmente apaga a situação da memória e recomeça... Até mesmo cães que são maltratados “perdoam” seus donos e ficam em seu lar. Claro que devem existir os fugitivos, mas nem sempre os cães maltratados fogem. Eles aguentam essas situações, expressam sua dor e liberam toda a tensão e depois isso simplesmente acaba. Entendo isso tudo como amor incondicional.

Um amigo meu foi um dia morar em um apartamento e por isso deixou o cachorro dele comigo para que eu cuidasse. Um dia esse amigo veio até a minha casa e quando foi embora o cão algumas horas depois fugiu para ir procurá-lo. Não achou o dono, mas nunca mais voltou. Foi atrás sem pensar nos riscos (é óbvio, cães supostamente não pensam – vai saber qual é a verdade disso, se eles realmente não pensam), movido pelo sentimento, pela ligação que tinha com quem cuidou dele.

Os gatos, por sua vez, dão um bom exemplo de desapego. O gato não é temperamental como as pessoas dizem, pelo menos não na minha visão. É que o ser humano, na sua carência, quer o gato por perto a hora que ele quer, mas o gato não é meloso e grudento assim, nós é que somos. Na hora que ele precisa de carinho vem, quando não precisa não vem, nós somos quem faz isso, quem quer ou não quer as coisas nos momentos errados e inapropriados. E enquanto ele não vem ele sai de casa, vai andar por uns muros e telhados, fazer as suas coisas de gato, mas depois ele volta. Ele não vai se enfiar na casa do vizinho para morar lá, ele não vai procurar outro dono, ele sabe muito bem onde é o seu lugar. Não precisa prender, não precisa chamar de volta...

Será que conseguimos ser assim? Será que conseguimos fazer dessas características algo inato também aos humanos?

FYM

                                                                                                           Jerônimo Martins Marana

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Convidamos você a abrir sua mente

Tem alguma coisa errada. Ao estudar, ao trabalhar, abrir a geladeira, ligar a televisão, ouvir rádio, ao olhar um outdoor, ao sair em um sábado à noite, essa “coisa” sempre está lá, incomodando, incitando a questionar “por quê?” e uma voz na cabeça respondendo: “Descubra...”. Nós sempre sentimos isso, sem saber exatamente o que é. Mas tem alguma coisa errada, disso estamos convictos.

Então vieram os diálogos e os monólogos, as conversas que atravessavam noites, sempre provocando, estimulando a descobrir o sentido disso tudo.

Percebemos, então, que estamos cansados da limitação impostas a nós pelo tempo e pelo espaço. Passamos tanto tempo correndo atrás das finalidades egoístas, precisamos eliminar candidatos no vestibular, na busca por emprego, para ganhar dinheiro para comprar nosso alimento para no dia seguinte estarmos vivos para continuar nessa mesma labuta inútil e sem sentido. Os sonhos se perdem por aí, dificilmente se atinge alguma realização. O emprego que você sonha é substituído pelo que rende algum lucro, aquilo que você queria fazer fica para trás, o que você gostaria de aprender, o que você queria construir. Somos levados a fazer tanta coisa que na verdade achamos que queremos, que até mesmo a nossa diversão se torna uma atividade distorcida. Você duvida disso? Olhe ao seu redor e observe com mais atenção e você irá perceber que no fundo o real motivo de beber até passar mal e se drogar não passa de uma artimanha inconsciente para você fugir da realidade que lhe cerca, pois no dia seguinte você terá que novamente enfrentar essa busca infindável por algo vazio.

E aonde queremos chegar com tudo isso? Porque aceitamos viver de tal maneira?

Talvez devêssemos nos perguntar: “Por que faço o que faço? Porque penso o que penso?” e assim entenderemos algumas de nossas ações, atitudes, pensamentos. Aceitar viver assim deve ser por não termos certeza do que existe além daquilo que vemos, por não sabermos a que isso tudo leva. Não sabemos nada, não sabemos nem quem somos realmente, então aceitamos o que já estamos acostumados, não temos certeza de como devemos fazer as coisas, não sabemos escolher, onde procurar, o que procurar, e vivemos a vida como se ela fosse um imenso labirinto, onde cada um testa as mesmas ruas em ordens aleatórias, achando que a sua escolha é sempre melhor do que a dos outros, mas sem perceber que todas as vias escolhidas levam ao mesmo lugar, e esse lugar não é a saída. E por esse motivo, talvez, muitas pessoas desacreditam em alguma mudança e não tem idéia para que direção olhar, pois andar pelas mesmas ruas já é um hábito tão enraizado que se tem medo de olhar e entrar nas ruas que ainda são desconhecidas e que são as mesmas ruas que as placas indicam levar à saída.

Ao perceber que algo está errado começamos a nos preocupar como descobrir o que é que nos incomoda e percebemos que a resposta está dentro de nós mesmos. Algo que desde a antiguidade já nos era alertado, como na mensagem, escrita no templo de Delfos, “Conhece-te a ti mesmo”, e nunca demos a devida atenção a ela.

Decidimos escrever esse blog para forçar-nos a questionar e a tornar nossas mentes mais abertas a novas idéias, novas formas de pensar. Isso também pode ser um meio de unir algumas pessoas que se sentem da mesma forma, mas que não sabem o que fazer e que talvez tenham perdido alguma esperança.

O blog (carinhosamente apelidado por nós de globs) trará idéias previamente discutidas por nós, ou pensamentos individuais, expressos em textos redigidos em conjunto ou individualmente, não com o intuito de dar respostas, mas de levá-lo a fazer perguntas nunca antes feitas e transportá-los ao nosso mundo de reflexões. Não vamos dizer apenas que esperamos que gostem, mas também que esperamos que se questionem.

Sejam bem vindos!

FREE YOUR MIND

                                                                                                                        O Ilimitado