sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Vida a dois

Com o texto “Casamento” eu iniciei o tema sobre amor entre duas pessoas porque como disse naquele texto, acredito que a grande maioria dos sofrimentos humanos é consequência do sentimento de amor e da ausência dele. Na faixa etária que vai da adolescência até algo em torno de 25 ou 30 anos de idade e especialmente nesta geração e cultura (regidas pelo capitalismo e dos últimos 50 anos, provavelmente), parece que todas as coisas da vida giram em torno do amor e da companhia de uma pessoa que nos faça sentir completos.

Nos países ou nas regiões que são atingidas mais profundamente pelo capitalismo, até mesmo as relações amorosas se tornam capitalistas. Falo isso porque hoje em dia as pessoas recebem inúmeros estímulos dos meios de comunicação que utilizam a sexualidade, uma coisa natural do ser humano, como forma de vender os seus produtos. É por isso que a cada dia o “horário nobre” começa mais cedo.

O resultado disso é que muitas pessoas de todas as idades vão se acostumando à libertinagem e à promiscuidade, pois acabam iludidas pelo trabalho dos poderosos capitalistas (que também são vítimas daquilo que criam apesar de estarem na “outra margem do rio”) e acabam entendendo como sendo normais coisas como o adultério, a primeira relação sexual aos dez anos de idade, beijar uma pessoa diferente (ou várias) por festa, por final de semana, por dia ou por noite, bigamia, poligamia, pornografia, etc. Não que eu esteja condenando quem seja adepto disso tudo, pois tais atos não passam de hábitos que são, na verdade, frutos da inconsciência e são estes que nos levam à busca do Caminho do Meio. Mesmo que nossos erros não sejam percebidos na encarnação atual, ao longo de nossa trajetória vamos sofrendo as conseqüências de nossos atos passados, e isso se torna um aprendizado contínuo ao longo de várias encarnações que nos levará à libertação do samsara (termo em sânscrito utilizado no budismo que significa o ciclo de nascimentos e mortes, encarnações e reencarnações, a roda da vida).

O grande problema desta geração, resultado de tudo o que foi mencionado nos parágrafos anteriores, é o sentimento de solidão. As pessoas se sentem muito sozinhas, pois são pressionadas o tempo todo a estarem ligadas de forma afetiva e íntima com alguém, mesmo que seja por apenas algumas horas em um único dia ou ocasionalmente, e isso as força a experimentar. Experimentar cada vez mais e mais sensações e pessoas diferentes. Por isso, arrumar um namorado ou namorada hoje em dia é tão fácil e, ao mesmo tempo, tão difícil.

Talvez muitos não concordem, mas ter um relacionamento é mesmo muito fácil. Como as pessoas se sentem sozinhas, rapidamente se ligam a qualquer indivíduo que aparece se mostrando atencioso e carinhoso. Isso é pelo fato de que a pessoa que lhe aparece se comportando assim, muitas vezes é porque ela também se sente sozinha, então se comporta dessa forma com qualquer pessoa que encontra pela frente para facilitar as coisas, pois é assim que é na televisão e, portanto, é assim que “dá certo”. Esse é um dos motivos que torna tão fácil para as pessoas se interessarem por alguém. E como é fácil se interessar por alguém, também o é perder o interesse, porque logo que aparece uma pessoa, aparece outra igualmente interessante para ser experimentada. Infelizmente, isso faz com que as pessoas arrumem namorados quando não deviam, em situações inadequadas ou precipitadamente, dessa maneira sofrem com repentinas e consecutivas perdas de companheiros.

O problema é que muitas pessoas querem primeiro se beijar, para depois se conhecer. Quando duas pessoas se encontram em uma situação qualquer em que o clima propício é criado, as duas se apresentam de uma forma que mostra seu lado bom, ou um lado forjado que na realidade não possuem. Ou seja, acabam demonstrando só um lado de sua personalidade ou até mesmo fingindo ser alguém que não são, sendo que às vezes começa um namoro a partir daí. Acontece que no começo os dois se entendem muito bem, já que há uma euforia por causa da novidade e das mesmas velhas “sensações e emoções novas”, então ainda há energia para sustentar o lado bom da personalidade, ou a personalidade forjada. Mas depois ambos começam a conhecer os defeitos, hábitos e o lado negativo um do outro e percebem a incompatibilidade dos gostos e hábitos. É assim que uma hora a máscara cai e ambos conhecem um ao outro como realmente são. Daí surge as brigas, ruptura do laço e o tão conhecido sofrimento, que é sempre citado no aqui no blog.

Nesse ponto eu pergunto: como podem duas pessoas dizer que se amam e acabar criando uma guerra tão nociva? E como podem duas pessoas que criaram uma guerra dessas acreditar que se amam ou que um dia se amaram? Aminha resposta para isso é que não era realmente amor, era apego. Ambos eram apegados a uma idéia que tinham do outro. Houve uma idealização, foi criada uma personalidade, uma ilusão na mente dos indivíduos representando o outro, e essa imagem foi idolatrada de forma a se acreditar que era real, até o dia em que ela mostrou defeitos e distorções, tentando trazê-los para a realidade enquanto sofriam com sua própria criação.

Imagine uma pessoa cujo cachorro fugiu de casa, e para compensar a perda e ter uma companhia adota um gato. Só que essa pessoa adota o gato e não vê o gato como gato, mas o vê como um cachorro. Então tenta ensinar o gato a brincar com brinquedos de cachorro, correr atrás de gravetos, latir, cavar buracos e até leva o gato para passear preso a uma coleira. Só que, com o tempo, essa pessoa começa a ficar frustrada porque o “cão” não brinca como ele quer, não aprende a sentar quando se pede, não vem quando é chamado, não gosta de passear na coleira e ainda por cima sai de casa à noite, dorme em cima de muros e telhados e ainda arranha todos os imóveis.

Vou apresentar algumas possibilidades de desfecho desta trama. A primeira é: o gato vai embora ou a pessoa se desfaz dele porque ele não atende às suas expectativas. Ela culpa o gato por não ser o que ela espera, e sofrendo com a ausência procura outro gato para fazer de cachorro. Segunda: a pessoa percebe que o gato não é o cachorro. Neste caso o sujeito pode agir também de duas formas. Primeira: começa a tratá-lo e amá-lo pelo que ele é. Segunda: se desfaz dele, entende a perda do cão e fica bem sem nenhum animal de estimação até que se interesse naturalmente por outro ou resolva procurar pelo cachorro perdido.

Utilizei este exemplo para facilitar a compreensão do “fenômeno” que eu chamo de substituição. Agora, com o exemplo dado, vou transferi-lo para um relacionamento amoroso, ou “amoroso”.

Apesar de não demonstrarem explicitamente, a maioria das pessoas tem muita dificuldade de aceitar e assimilar a dor da perda. Muitas vezes é tão forte o apego pela pessoa com quem o laço foi rompido, que se acaba arrumando um “gato” no lugar do “cão”. Dizendo de outra forma, é como se o individuo, após perder a namorada logo arrumasse outra e “vesti-la” de antiga namorada. Na sua mente, a namorada atual representa à antiga, e assim ela recebe a função de lhe dar algo que ele espera da outra, que já partiu. Um dia ele irá inconscientemente perceber que suas expectativas não estão sendo atendidas e que a atual namorada não é antiga. Então as coisas irão piorar, haverá uma crise, muitas brigas e por fim a ruptura e logo haverá uma busca por uma segunda substituta, que também será “vestida” de primeira namorada.

Mas o sujeito poderá também notar que a segunda, ou esta terceira namorada não é a primeira, e tomar uma atitude diferente, pois perceberá a pessoa como ela é. Agora, então, pode ser que as coisas melhorem e ele a ame pelo que ela é ou simplesmente tenha um novo apego. Ou as duas coisas. Ou então perceberá que na verdade não ama nenhuma das três. Ou que ama a primeira e tentará reatar os nós com ela. O importante é o tempo sozinho para entender o que sente e o que não sente.

Com tudo isso, quero apontar o fato de que muitas vezes não sabemos o que estamos sentindo, por isso pode ser arriscado iniciar um relacionamento com alguém que terminou um namoro há três ou quatro meses atrás, pois esse tempo é muito pouco para esquecer de alguém. Se esqueceu, acredito que seja ou porque não sentia o que achava que sentia ou porque ainda sente e não sabe. É claro que um relacionamento que começa dessa forma ou com um beijo precipitado, como eu disse em outro trecho, também pode terminar em um casamento feliz. Entretanto, muitas vezes uma pessoa pode ficar na memória de outra por muitos anos, mesmo que seja na memória inconsciente. Não raro encontramos alguém casado e que já é pai ou mãe, e ainda sente algo por uma outra pessoa que não seu marido ou esposa. Às vezes acontece de o indivíduo se separar e depois notar que sempre teve esse sentimento, ou então se separa porque notou que sentia.

Com toda essa indução ao relacionamento íntimo que estamos expostos e muitas vezes vulneráveis, a maioria de nós acaba sendo forçada a enterrar os seus sentimentos. Se demonstramos para os outros que estamos muito tristes e afetados por causa de um relacionamento rompido, somos pressionados por muita gente para procurar por outra pessoa, com o argumento de que não devemos ficar sofrendo por causa de quem nos deixou. Isso faz com que as pessoas busquem meios de fugir daquilo que sentem, tentando esconder dos outros e até de si mesmos a frustração sentida. Já mencionei isso no post “A proibição do sentir” e o Alexandre e eu também mencionamos o mesmo na nossa postagem de abertura do blog “Convidamos você a abrir sua mente”. E convenhamos que fugir é muito fácil.

As artimanhas são tantas, as mais banais e inimagináveis, vícios e hábitos de todo tipo são utilizados com esse fim: atirar-se ao trabalho, diversões de todo o tipo, como filmes, música, dança, esportes, até coisas mais “pesadas” como bebida, cigarro e drogas. Para “esquecer” alguém, uma das saídas mais famosas é encontrar outra pessoa, ou outras. Outra forma é a raiva: muitos criam um sentimento de raiva por aquele de quem se separou, só que é um sentimento falso, pois as pessoas o criam quando na verdade nem o sentem realmente. E esse sentimento ainda acompanha inúmeras vezes as outras atitudes já citadas no parágrafo. E pelo que eu tenho visto, sempre que ainda existe raiva, desprezo ou outros sentimentos e formas negativas de tratamento, é porque a pessoa a quem se dirigem estas coisas ainda tem algum significado para o outro.


Mas quero citar uma em especial, que é uma atitude inconsciente de defesa que utilizamos para muitas coisas. Essa atitude consiste em desejar que outras pessoas não consigam o que não conseguimos. Conheço uma pessoa que parecia demonstrar que inconscientemente não queria que desse certo o namoro de uma outra com quem tinha amizade, pois a situação desta outra era semelhante à sua situação falha. A razão dessa atitude era que se o relacionamento dessa pessoa amiga não desse certo ela acreditaria que relacionamentos assim não dão certo nunca, então ficaria tranquila, acreditando que isso acontece não só com ela, mas com todos. Entretanto, se este namoro desse certo ela ficaria arrasada, pois o seu foi mal sucedido e o da outra pessoa, que era em condições semelhantes, foi bem sucedido.

Sabemos que vivemos em um mundo onde os valores são machistas. Já se foi o tempo em que o homem dominou a mulher pela força e acredito que vivemos em uma fase de dominação psicológica. De uma forma geral, o homem vê a mulher como objeto de prazer (claro que não exclusivamente), e essa dominação consiste em fazer com que a mulher, inconscientemente é claro, se reconheça como objeto de prazer, se veja dessa maneira. Até peças de roupa são criadas com esse intuito, e no final as mulheres acabam gostando delas e até mesmo elas próprias irão criá-las e fabricá-las, isso porque estes valores já estão impregnados na (in)consciência tanto de homens quanto de mulheres.

Esse tipo de dominação esconde o medo inconsciente que as mulheres tem dos homens. Apesar de serem dominadas psicologicamente, elas ainda tem medo físico (inconsciente é claro) remanescente da era em que eram dominadas pela força. Até identifiquei uma característica postural da maioria das mulheres que vejo por aí que acredito que seja por causa desse medo. Não percebem tanto as mulheres quanto os homens, que eles conseguem o que querem delas dando-lhes em troca algo que elas desejam. Eles se deixam ser dominados para que possam dominar. Em casa é a mulher quem manda para que o homem consiga o que ele quer. Na verdade eles tentam controlá-las porque tem medo de perdê-las. As mulheres não sabem o quanto são importantes para os homens (para os interessados, isso é dito por Robert A. Johnson no livro She: a chave do entendimento da psicologia feminina).

Nos países em que a cultura é menos afetada pelas relações capitalistas as coisas costumam serem um pouco diferentes. O extremo oriente é assim. Em muitas regiões de países como Índia, Tailândia, China, Indonésia, Vietnã, entre outros, as pessoas podem ficar sozinhas por toda a vida até que um dia encontrem a pessoa com quem irão se casar. Na Tailândia, só depois de terem sido monges budistas por um período de três ou quatro meses, em que chegam a meditar até vinte horas por dia, os homens são considerados bons para casar (mas com certeza não deve ser assim em todo lugar e nem todo mundo deve ligar pra isso). Não estou entrando no mérito de serem estas as situações ideais ou não, mas mostrando a diferença de tratamento com relação ao amor e à sexualidade em países com tradições espirituais mais profundas, ou pelo menos diferentes.

É claro que o capitalismo não criou a promiscuidade, pois estas coisas existem desde os primórdios da civilização, inclusive nos países dos exemplos acima, mas perceba quanta pornografia, sensualidade e apelo sexual de todo tipo há nos filmes, novelas, desenhos animados, reality shows, danças, comerciais sapatos, perfumes,  bebidas, principalmente cerveja, e músicas que você sabe que existem e veja que ele é responsável por grande parte disso.

Tudo isso porque nos sentimos e temos medo de ficar sozinhos... Tudo para encobrir um sentimento momentâneo de soidão...

Vejo muita gente se queixar de não encontrar alguém para um relacionamento realmente firme, estável, sério. Não é por menos, pois a maioria das pessoas se envolve com tanta gente e com uma frequência tão alta que se torna muito difícil encontrar alguém sincero ou mesmo saber ou ter certeza de que tal pessoa é assim. Acho incrível como muita gente diz que sabe muito sobre relacionamentos amorosos (ou íntimos) porque tem muitas experiências, quando nem mesmo sabem muito sobre si mesmos e sobre o que estão sentindo. Pensam que sabem lidar com relacionamentos enquanto começam e terminam vários repetidamente.

Ouço muito a frase "quem eu quero não me quer", e isso mostra como as pessoas se sentem sozinhas e querem estar com alguém. Mas não é necessário estar com alguém, e sim compreender a situação e o que se passa no coração, e para isso é preciso se dar um tempo. E o mesmo eu digo com relação ao outro, pois é necessário lhe dar um tempo para que ele possa também compreender o que sente, principalmente logo após ter terminado um relacionamento ou tendo ambos se conhecido recentemente. Falo disso porque acredito que o que importa não é se você tem um relacionamento ou não, mas sim a qualidade do seu relacionamento, por isso as pessoas não devem se precipitar. Sinta o que quer que esteja sentindo. Não adianta tentar colher flores no inverno, por isso esteja sozinho quando estiver sozinho e namore quando estiver namorando. Devemos aceitar o que o presente nos trás e conviver bem com isso, mesmo que o que temos no presente seja um sentimento de solidão. Dessa forma teremos uma melhor compreensão do que está ocorrendo, então estaremos bem, seja sozinhos ou acompanhados.

FYM

Jerônimo Martins Marana